O drama de viver um amor bandido

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Filmagens aconteceram na Penitenciária Central do Paraná. Filme levou 12 anos para ser concluído. Ideia surgiu a partir da observação da grande quantidade de mulheres esperando a hora da visita na cadeia

Foto: Divulgação

O que leva uma mulher a se apaixonar por um bandido? Essa é uma realidade muito mais comum do que se possa imaginar. Vivendo amores impossíveis, mulheres vivem em prol dos seus parceiros. Nem mesmo as grades se tornam obstáculos. Essas inúmeras histórias rendem uma bela ficção.

É mostrando essa realidade que o documentário “Cativas Presas Pelo Coração” será exibido no Cine Arte UFF, com estreia nesta quinta-feira (1), às 20h. Para enriquecer a experiência será realizado ainda um debate sobre o tema do filme, com a diretora Joana Nin, o crítico Carlos Alberto Mattos e Beth Formaggini. Depois, o filme fica em cartaz até o dia 7 de outubro, sempre às 19h30.

“Eu acredito no amor destas mulheres e na vontade delas de transformar alguma coisa nestes maridos, independente de conseguirem ou não. Elas querem uma família, querem ser amadas e lutam por seus romances como qualquer uma de nós faz quando ama”, opina Joana Nin.

Sete mulheres com histórias diferentes, mas com muita coisa em comum: dedicação, perseverança e esperança de construir uma família. Andrea tem o sonho de se casar com direito a véu e grinalda. Camila ficou grávida durante uma visita íntima, que culminou no seu casamento com um presidiário. 

Já Cida casou-se, mas o marido só queria diminuir a pena. Eliane abandonou a família para fugir com o namorado bandido. Kamila se prepara para sua primeira visita íntima ao namorado. Malu reencontrou o pai de sua filha quando ele estava atrás das grades. E Simone sofre pelo namorado viciado em crack, mas não o larga por nada.

“É um filme para nos fazer pensar nas diversas formas do ser humano amar. E sobre mulheres que dedicam suas vidas a acompanhar penas de crimes que não cometeram. Por que fazem isso? A ideia é nos fazer pensar sobre todas estas coisas”, argumenta a diretora. 

O homem fica preso, a mulher cria sua própria prisão. Levar uma vida normal se torna um desafio para muitas delas. Até mesmo se divertir vira alvo de culpa. Muitas dessas mulheres deixam de viver por medo de estar sendo injusta com o amado.

“O desafio é conseguir sentir-se minimamente livre para tornar a vida cotidiana melhor, mesmo visitando os maridos todos os finais de semana, ou quase. Há outras dificuldades, preconceito, dinheiro, criar filhos sozinhas”, pontua Joana.

Além de viver em uma eterna luta consigo mesma, o preconceito e o medo de rejeição rondam a vida dessas mulheres, em seus mais diversos aspectos. Na vida profissional, por exemplo, muitas perdem o emprego se contarem que são esposas de presidiários. 

“O estigma que elas carregam é muito pesado. Quem não conhece de perto este universo pensa que são pobres, mal-amadas, ignorantes de sua condição, coisas assim. Isso é muito distante da realidade”, declara a diretora, que completa dizendo que quem vive essa situação não tem nada de diferente das mulheres comuns.
“Poderia ser uma vizinha, uma amiga, alguém próximo. Porque todas queremos ser amadas e em algum momento da vida podemos nos iludir com promessas falsas também. Que nunca...”, compara.

Acima de qualquer desafio, está a tão polêmica visita íntima, considerada como humilhante por quem passa por essa experiência. Cumprindo seu papel social, “Cativas” se depara com essa crítica.

“Questiono diretamente a revista feminina porque ela é vexatória e não deveria ser realizada desta forma. Já existe tecnologia para isso, escâner de seres humanos, nos quais se poderia examinar todas as pessoas que entram nas unidades”, explica Joana.

Filmado na Penitenciária Central do Estado, no Paraná, o filme levou 12 anos para ficar pronto, levando em consideração suas pesquisas e filmagens. A ideia surgiu a partir de um trabalho da própria Joana como repórter no estado, onde cobriu a rebelião de 2001 na penitenciária, que é considerada o maior complexo penal do Paraná. 

“Conheci um grupo de cerca de 100 mulheres acampadas na porta da penitenciária. Conversando, descobri que elas costumavam chegar na sexta e passavam duas noites em barracas todos os finais de semana para pegar o melhor lugar na fila das visitas de domingo”, relembra a diretora.

Algumas histórias, que se encontram em “Cativas”, chamaram sua atenção. Transformar todas essas histórias de vida em uma única reportagem era pouco para Joana. Daí se deu a transição do jornalismo para o cinema documentário.

Nasceu o curta “Visita Íntima”, que serviu como base para a criação do novo longa-metragem. O curta, que foi lançado em 2005, rendeu 21 prêmios, inclusive o de melhor curta-metragem. De forma mais aprofundada e mergulhando inteiramente nessa questão, surgiu “Cativas”. 

Filme conta várias histórias reais, entre elas um casamento na cadeia

Foto: Divulgação

A veracidade encontrada no longa se dá pelas filmagens reais. No entanto, falar de amor dentro da cadeia soava estranho para as autoridades, e a filmagem dentro do presídio se tornou um desafio, principalmente pela parte burocrática. Ao final, o trabalho foi merecidamente reconhecido.

“Tivemos ajuda das assistentes sociais e da direção do Departamento Penitenciário e da cadeia. Eles confiaram no nosso trabalho. Os dois juízes de execuções penais aos quais tive de recorrer, um no curta outro no longa, foram extremamente compreensivos e viram no meu projeto algo de muito positivo”, conta Joana Nin, que recebeu um documento de autorização com elogios sobre a iniciativa. 

Além disso, o próprio elenco, o qual se chama de “atores sociais” em documentários, é uma realidade à parte. A história real das sete mulheres é retratada nas telonas, passando sentimento e verdade para quem as assiste durante suas intrigantes visitas.

“São pessoas vivendo suas vidas, orientadas pelos passos do filme naquele momento. Ou o filme se orienta pelos passos delas, um pouco de cada. O que a gente faz é desenhar um roteiro a partir da vida delas, mas um roteiro sem falas, onde elas vão viver de verdade aquelas situações, mas a gente vai filmar. É a vida delas, de todo jeito”, explica a diretora.

“Cativas” conta a história de uma das mulheres retratadas em “Visita Íntima” após seu marido sair da cadeia. Dessa forma, as outras seis histórias paralelas se unem. Todas as mulheres foram escolhidas a partir de uma pesquisa de perfil e conquistar a confiança delas não foi algo fácil.

“Elas desconfiavam de nós, revistavam nossas jaquetas com medo de estarem sendo gravadas sem autorização. Mas não fizemos nenhum registro sem consentimento delas. Inclusive as cenas de visita íntima e a revista feminina tem uma autorização diferenciada, para que fique claro que não se utilizou câmera escondida”, detalha, contando ainda que nas cenas em que aparecem as eventuais visitas, cuidados a mais foram tomados para que ninguém aparecesse.

Depois de “Cativas” e seus amores impossíveis, surge mais um questionamento: será que os homens fariam a mesma coisa pelas mulheres? Joana não descarta a possibilidade de uma nova história abordando essa visão.

“As mulheres presas são completamente excluídas da sociedade, vivem como mortas-vivas. A elas ninguém dá atenção, poucas pessoas visitam. Elas caem presas muitas vezes por serem cúmplices dos companheiros. Daria um filmaço, mas não sei se tenho mais energia para esse assunto. Fiquei esgotada com 12 anos de trabalho junto ao sistema. Mas quem sabe um dia”, finaliza.

Cine Arte UFF fica na Rua Miguel de Frias, 9, Icaraí, em Niterói. Às 20h. Preço: R$ 12 (inteira). Telefone: 3674-7512.

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