Tributo em vida

Por

Livro narra os principais acontecimentos da vida do sambista Nelson Sargento

Fotos: Divulgação/Paulinho Muniz

Nelson Sargento é uma daquelas figuras emblemáticas cuja história de vida é indissociável à história do samba e da música brasileira. Figura histórica da Estação Primeira de Mangueira, Sargento contribuiu como poucos para a formação de memória do samba de raiz oriundo dos morros cariocas, que fizeram deste gênero uma das maiores expressões populares genuinamente brasileiras. Retratar os 90 anos de vida de um dos maiores sambistas da história do Brasil não é uma tarefa fácil, mas o historiador niteroiense André Diniz, presidente da Fundação de Arte de Niterói, e o escritor e pesquisador Diogo Cunha aceitaram o desafio em “Nelson Sargento: O Samba da Mais Alta Patente”, livro que traz em detalhes a história do menino que aos 11 anos chegou ao Morro da Mangueira e viria a se tornar um símbolo definitivo do samba e do carnaval no Rio Janeiro. A obra será lançada pela primeira vez ao grande público neste sábado, às 14h, em uma tarde de autógrafos no sebo Al-Farabi da Rua do Rosário, no Centro do Rio, com direito a roda de samba e a presença do próprio Nelson Sargento.

Dupla de autores da Biografia narrada de Nelson Sargento, André Diniz e Diogo Cunha

Divulgação/ Thiago Cortes e Ana Rieper

 
O livro – originalmente lançado em 2012, como brinde da Prefeitura do Rio para escolas e bibliotecas municipais – faz parte do projeto Memória do Samba, que consiste em trazer ao público a história dos maiores nomes do samba brasileiro em uma série de biografias. A primeira da qual André Diniz participou foi sobre Monarco, quando trabalhou como um organizador da obra. Ele revela que a paixão pela vida e pelo legado de Nelson Sargento tornou-se muito mais forte conforme foi conhecendo a fundo a história do sambista e escritor. “Ali descobri um Nelson divertido, inteligente, sagaz, e muito artista: ora compositor, ora ator, ora escritor, ora pintor. Ele segue aquela linha do maestro Pixinguinha: e adorável e não tem ninguém que desgoste dele.” No caso de Diogo Cunha, fã de carteirinha e de longa data de Sargento, a admiração é anterior ao convite para escrever a biografia do sambista. “Eu já vi shows dele no Candongueiro, no Teatro Municipal de Niterói, na Mangueira e até no falecido Mistura Fina. Ele é um dos meus heróis civilizadores. Antes do nosso livro eu já conhecia a obra toda do Nelson”, orgulha-se o escritor.

“Descobri um Nelson divertido, inteligente, sagaz e muito artista: ora compositor, ora ator, ora escritor, ora pintor. Ele segue aquela linha do maestro Pixinguinha: é adorável e não tem ninguém que desgoste dele”, explica André Diniz.

No caso de Diogo Cunha, fã de carteirinha e de longa data de Sargento, a admiração é anterior ao convite para escrever a biografia do sambista.

“Eu já vi shows dele no Candongueiro, no Teatro Municipal de Niterói, na Mangueira e até no falecido Mistura Fina. Ele é um dos meus heróis civilizadores. Antes do nosso livro, eu já conhecia a obra toda do Nelson”, orgulha-se o escritor.

O lançamento da biografia de Sargento carrega uma outra característica importante, mas ainda um pouco menos frequente no Brasil: a de homenagear grandes nomes da nossa cultura ainda em vida. André defende que esta prática se torne mais frequente no País e acrescenta que a aprovação da lei que permite o lançamento de biografias não autorizadas é um passo importante neste processo.

“É como diz a música do outro Nelson, o Cavaquinho, ‘Me dê as flores em vida’. Mas acho que muitas biografias não eram feitas devido à falta de entendimento do biografado. Agora, com a nova lei, o fim da censura possibilita homenagear quem está vivo”, argumenta.

Se a homenagem a Nelson Sargento se fez em vida, o personagem central da história não poderia ficar de fora dos depoimentos que compõem o livro. Os relatos do sambista enriquecem a obra, pois trazem ao conhecimento público a perspectiva também do protagonista no mosaico de histórias que contam sua trajetória. André Diniz valoriza essa característica do livro.

“Demos voz ao personagem. Esse é um perfil do Nelson, onde os autores são apenas portadores da palavra escrita. Nelson nos guia durante os capítulos. Um personagem tão rico como ele, de memória prodigiosa, não poderia ficar escondido sob os autores”, frisa.

Diogo Cunha acrescenta, ainda, que os relatos do sambista ajudam a entender a história do gênero e da própria cidade do Rio, especialmente durante o século XX.

“Fizemos um  perfil ‘memorioso’ do mestre e contamos também a história da cidade, do samba, dos morros e do tempo do nosso Sargento. O Nelson dá aula sobre a cidade. Conviveu com Cartola, Carlos Cachaça, Geraldo Pereira. Viu o pomposo Derby Club virar Maracanã e desfilou e ainda ganhou carnaval na Praça Onze”, explica.

Amizade entre os biógrafos – Parceiros de trabalho e amigos de longa data, André Diniz e Diogo Cunha já foram professor e aluno. André chegou a dar aulas para Diogo na Universidade Cândido Mendes, no Rio, e o historiador relembra com carinho de como a amizade com o ex-pupilo foi crescendo até que os dois assinassem juntos a biografia de Nelson Sargento.
“Diogo foi meu aluno, depois virou pesquisador dos meus livros e um grande amigo. Daí, para virar parceiro de escrita, foi um pulo”, conta Diniz.

Diogo adota um tom bem-humorado ao falar da dupla dinâmica que forma com o amigo André. Para o escritor e pesquisador, a sintonia entre os dois é determinante para a parceria de sucesso.

“Existe um respeito e uma admiração mútua. Por isso o pagode dá certo. Ele finaliza os textos de uma forma magnífica e é ótimo para dar a linha do texto, é um mestre nisso. O músico e amigo Arthur Maia chama a dupla, com certa dose, de galhofa, de Sullivan e Massadas da literatura”, brinca.

O samba, apesar de ser reconhecidamente uma expressão popular do Rio de Janeiro e do Brasil, demorou a superar certos preconceitos e se tornar um objeto de estudo acadêmico.

Somente a partir da década de 1980, o gênero começou a ganhar espaço entre os pesquisadores de música, conforme relata André. Apesar do espaço conquistado, o historiador e doutorando em Geografia ressalta que muitas lacunas ainda precisam ser preenchidas para que o samba seja devidamente estudado.

“Antes, ele era visto como coisa menor. Agora, os pesquisadores perceberam que a música popular brasileira não é só boa pra ouvir, mas também para entender o País. Cada vez mais temos produções sobre personagens e temas da nossa história musical. Mas, certamente, ainda existem muitas lacunas”, argumenta.

Narrar nove décadas da história de Nelson Sargento em cerca de 100 páginas foi um dos maiores desafios para os autores. Na hora de pensar numa obra dessas, tudo pesa, desde o custo de produção até a preocupação de tornar a leitura atraente e leve para os leitores. Ser detalhista, mas sem exageros. Entreter, mas sem ser cansativo. São muitas as tarefas a conciliar, mas André Diniz mostra-se orgulhoso do trabalho feito ao lado de Diogo Cunha.

“Um livro grande, além de encarecer a publicação, muitas vezes não se encaixa na vida corrida do leitor. Demos nó em pingo d’água para juntar um perfil, biografia menor, contando a história do Nelson sem encarecer por demais a produção e pesar no bolso do leitor. Esse é um livro coletivo, todo mundo ajudou um pouco. É uma homenagem ao último compositor remanescente dos tempos áureos de Mangueira”, define.

Para Diogo, é natural que, durante o trabalho de seleção, algumas histórias sejam escolhidas em detrimento de outras, e destaca que todo livro que trata de biografias esbarra em questões como essa, mas que sempre há a possibilidade de outras facetas do personagem biografado serem relatadas por outros autores em obras futuras.

“É quase uma página por ano do seu Nelson, né! Ele que esse ano faz 9.1. Mas livro é isso mesmo. Você escolhe um caminho e vai. Fica mesmo um caminhão de coisas fora. Outros autores podem escrever e contar as histórias e patentes do nosso Sargento de outra forma”, conclui.

GABRIEL OLIVEIRA 

O sebo Al-Farabi fica na Rua do Rosário, 30, no Centro do Rio. Às 14h. Preço do livro: R$ 20. Telefone: 2233-0879.

  • Tags: