Uma partida de futebol

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O curta de Luciano Pérez Fernández retrata uma partida de futebol no sertão de Pernambuco. Filme concorre ao troféu na mostra Premiers Pas, no festival Visons du Réel, na Suíça, e está no festival “É Tudo Verdade”, aqui no Brasil

Foto: Divulgação

O diretor e roteirista alemão Robert Wiene e o diretor e ator italiano Vittorio de Sica, com os filmes “O Gabinete do Doutor Caligari” e “Ladrões de Bicicleta”, respectivamente, inspiraram a carreira de um documentarista niteroiense, filho de um casal de espanhóis. Luciano Pérez Fernández os conheceu na faculdade de Jornalismo através do acadêmico e documentarista Sílvio Tendler. Desde então, se dedica ao cinema e já trabalhou como assistente de direção, de ficção, não ficção, dirigiu clipes, vídeos, programas e minidocs. O também fotógrafo e produtor lança amanhã, no festival Visons du Réel, na Suíça, o seu primeiro curta produzido para o cinema, “Boca de Fogo”. O filme, produzido de forma independente, ainda concorre ao troféu na mostra Premiers Pas, dedicada a filmes de diretores estreantes. Nesta terça, dia 24, às 15h, no Espaço Itaú de Cinema, a obra estreia no Rio de Janeiro.

“Boca de Fogo” retrata uma partida de futebol que aconteceu em Salgueiro, no sertão de Pernambuco, comentada por um radialista. A ideia de contar esta história surgiu a partir da leitura de uma notícia em um jornal, que acabou levando Luciano a Salgueiro.

“O filme é mais uma questão da forma de contar do que da história em si. É mais sensorial, no sentido de termos uma experiência mais próxima do personagem principal, que é o comentarista da rádio”, explica o diretor. 

Inspirado na estética de “Caravana Farkas”, expedição cinematográfica organizada pelo fotógrafo Thomaz Farkas durante a ditadura militar, que revelou o universo do sertão, o curta foi gravado em apenas um fim de semana. Durante os 90 minutos do jogo, a equipe, composta por Luiz Alberto Gentile (produtor), Nicolau Domingues (técnico de som) e Anderson Capuano (fotógrafo) captou toda a atmosfera da partida – torcedores, cobertura da imprensa, vendedores – e o trabalho na cabine de rádio.

“Durante um jogo ocorrem diversos acontecimentos ao mesmo tempo. Foi um desafio. A edição tinha que ser certeira e embaralhar tudo isso na estrutura da narrativa”, revela o diretor, que conta que cresceu assistindo ao cinema que retratava o sertão, um lugar até então mítico e desconhecido para ele. Movido pela ideia de apresentar personagens desconhecidos para a maioria das pessoas, cultivou o desejo de filmar lá.

“A Caravana Farkas foi marcado pelo impulso daquele momento de ir para o interior e revelar o universo do sertão, que sempre foi um lugar mítico para o cinema brasileiro e era praticamente desconhecido naquela época. Tendo a Caravana como referência, ‘Boca de Fogo’ homenageia uma tradição fotográfica brasileira das décadas de 60 e 70, marcada pelo uso de luz dura e alto contraste ao explorar o brilho intenso do sol do sertão”, comenta.

No campo documental, Luciano Peréz Fernandez tem como referência Alberto Cavalcanti, Jorge Bodanzky, João Moreira Salles, Paschoal Samora Flaherty, Vertov, RouchSantiago Alvarez, Raymond Depardon, entre outros. Fora dele, o diretor se inspira no rádio, que escutava nas madrugas durante sua adolescência com um aparelho debaixo do travesseiro. Em seu primeiro curta, quis levar ao espectador a experiência do radiojornalismo esportivo brasileiro, que trata o futebol de maneira irônica e engraçada.

“O rádio, pra mim, sempre foi uma referência. No interior, esse estilo ainda é muito presente nas rádios, assim como levar o rádio para o estádio. Além dos jogadores, os narradores, comentaristas e repórteres de campo são também personagens do espetáculo”, opina.

O festival “É Tudo Verdade”, o mais importante festival de documentários da América Latina, no qual “Boca de Fogo” compete na categoria Curtas-Metragens Brasileiros, acontece simultaneamente no Rio de Janeiro e em São Paulo até o dia 30. Quando soube da seleção, Luciano sentiu um misto de alegria, pela confirmação de que algo bom ou diferente foi realizado, e de tensão, pelo fato de ter sua obra exposta a espectadores, curadores e a um júri extremamente qualificado.

“A expectativa é grande. Acompanho o ‘É Tudo Verdade’ há muitos anos como espectador. De certa maneira, esse festival alfabetizou o olhar de toda uma geração exposta ao melhor da produção mundial. Passar de espectador a ter olhos apontados em sua direção é algo novo pra mim”, celebra o niteroiense, que estreia em junho a reportagem documental “A Copa dos Refugiados”, produzida para o Canal Futura. 


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