“Quadrinhos têm uma linguagem lúdica, e entendê-los está no nosso DNA. Desde as pinturas em cavernas, ou das narrativas egípcias, nós contamos histórias com imagens. Uma HQ sem falas, por exemplo, supera questões de idioma e é compreendida por qualquer um”, afirma o quadrinista e ilustrador Denis Mello. Nascido em Niterói e profissional na área há sete anos, o artista se prepara para desembarcar, no fim do ano, em Angoulême, na França. Denis vai desenvolver um projeto na EESI, que, em tradução livre, significa Escola Superior de Artes Visuais Europeia.
O ilustrador ganhou uma bolsa de estudos por meio de um processo seletivo que consistia em três requisitos: apresentar um projeto novo que os avaliadores considerassem relevante, ter uma formação acadêmica (ele é formado em Belas Artes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro) e mostrar um portfólio comprovando sua experiência com a linguagem de quadrinhos. Denis e o também ilustrador Rapha Pinheiro são os únicos brasileiros selecionados.
A cidade francesa que será a nova casa do niteroiense, além de abrigar a Universidade, também é a sede do Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême, maior festival de HQ da Europa, que possui a maior premiação. Nela existem ainda o museu dos quadrinhos e uma grande biblioteca, estruturas às quais Denis terá livre acesso nesse período.
“As aulas começam em novembro, mas devo embarcar após a Comic Con Experience de São Paulo, no início de dezembro. A turma é formada apenas por estrangeiros: eu, o Rapha, um alemão, um chinês e duas mexicanas. Teremos orientadores exclusivos para nos ajudar no desenvolvimento desses projetos”, explica Denis.
Essa é a primeira vez que o niteroiense desenvolve um projeto fora do País. “Teocrasília” mostra um futuro breve, em que políticos conservadores religiosos estabelecem uma teocracia no Brasil. A ideia é mostrar vários núcleos de personagens vivendo de diferentes formas dentro desse novo regime: alguns se submetem ao sistema, outros são subversivos que vivem de aparências, alguns não aguentam essas transformações e decidem começar uma vida nova e clandestina, criando sociedades alternativas.
“A intenção é alertar sobre o perigo da intolerância religiosa e, principalmente, da mistura entre religião e política, reafirmando a importância do estado laico. Ainda não sei como será a questão de publicação por lá, mas acho que é um cenário propício para abrir muitas portas e fico sob essa orientação até junho de 2017 pelo menos”, adianta o quadrinista.
A paixão de Denis pelos quadrinhos surgiu na infância. Seus pais colecionavam as histórias e, antes mesmo de aprender as letras, o niteroiense já lia as imagens das HQs. Desde criança, o artista desenhava bastante e percebeu que isso poderia ser um caminho profissional. Denis, então, resolveu entender melhor esse universo de trabalho.
“Um personagem que me atraiu muito foi o Homem-Aranha, mas se tivesse que destacar influências artísticas colocaria Will Eisner e Hugo Pratt como as principais, Danilo Beyruth e Fábio Moon como as nacionais e Paul Pope e Darwyn Cooke como as mais fortes atualmente”, revela.
Seu primeiro quadrinho profissional, em 2009, falava sobre o conflito entre a Palestina e Israel. Dois anos depois, junto à roteirista Ana Recalde, criou a webcomic de terror “Beladona”, que conta a história de Samantha, uma menina que vive em dois mundos paralelos: o real e o dos sonhos.
“A Ana me convidou para trabalharmos juntos durante a Rio Comicon, extinto evento de HQ, em 2011. Ela sugeriu terror, que é um gênero que eu acho o máximo, mas pro qual nunca havia tido uma boa ideia, então topei na hora. No fim do dia, ela já veio com esses conceitos todos prontos. ‘Beladona’ talvez tenha sido um caminho para a Ana lidar com algumas questões pessoais, e para mim foi a oportunidade de levar meu trabalho a um ponto mais alto e desenvolver uma estética do macabro que vai me acompanhar ainda por muito tempo”, explica.
Em dezembro de 2014, a história foi impressa e virou livro. Foi, inclusive, as páginas de “Beladona” que Denis enviou como portfólio comprovando a experiência com a linguagem de HQ para o processo seletivo da EESI. Além disso, o ilustrador produziu quadrinhos de futebol, policial, bebedeiras, filosofia, drama, música, entre outros. Para o futuro, o quadrinista deseja fazer trabalhos que sejam relevantes e que tragam transformação e uma experiência boa e marcante para os leitores.
“Quero, antes de qualquer coisa, sobreviver com isso, que é uma das principais barreiras que tenho encontrado dificuldade de superar até o momento aqui no mercado interno. Almejo produzir quadrinhos por muitos e muitos anos, contar essas histórias que martelam na minha cabeça e que infelizmente demoram tanto para ser publicadas, pois é um processo demorado de produção, principalmente os trabalhos mais extensos”, confessa.
A curto prazo, Denis quer lançar uma publicação prólogo de “Teocrasília” ainda antes da viagem e, assim que embarcar, quer tentar absorver ao máximo a experiência, abrir as portas que forem possíveis, e, quem sabe, conseguir publicar “Beladona” por lá.