Ensaios sobre a arte que fala do Rio

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De Niterói, a jornalista Luciana Azevedo e a professora e escritora Aline da Silva Novaes falam sobre “Rio Circular: a cidade em pauta”, com 21 ensaios sobre o Rio

Foto: Lucas Benevides

Infinita fonte de inspirações artísticas, o Rio de Janeiro é protagonista de mais uma obra literária. “Rio Circular: a cidade em pauta” conta com 21 ensaios escritos a partir de diversas perspectivas artísticas de épocas diferentes, que revelam uma cidade que encanta e assusta. O livro passeia por obras clássicas, contemporâneas, eruditas e populares, da literatura ao audiovisual, que têm em comum a capital carioca como tema principal. Entre os autores veteranos e debutantes, a obra também conta com a participação de três niteroienses.

Os 21 ensaios são inspirados em representações e personagens que narram o universo da capital fluminense, originados de diferentes abordagens, perspectivas e pontos de vista de produções artísticas, da cultura popular e da música. Os trabalhos revelam um espaço provocante e luxurioso, palco tanto de resistências como também de rupturas.

Com a organização de Aline da Silva Novaes, Juliana Krapp e Rosana Lobo na publicação, o Rio de Janeiro que Mário de Andrade encontrou nos anos 20 aparece através da exuberância do carnaval. O de Noel Rosa pulsa na linguagem das calçadas, e sob a força de suas canções. E o de Nelson Rodrigues na dicotomia entre a falsa virtude da Zona Norte e o liberalismo da Zona Sul. E, ainda, um Rio cuja história também pode ser contada pela gastronomia ou pelo cancioneiro popular.   

“Cada autor escreve um artigo sobre um tema. O meu é uma análise da obra do Chico Buarque, “Rio: quem te viu, quem te vê”. Uma das organizadoras do livro é minha amiga de faculdade e acompanhou toda essa pesquisa acadêmica que desenvolvi sob a orientação do professor Renato Cordeiro Gomes – que também é um dos autores. Meu trabalho fala sobre a maneira como a cidade era interpretada por Noel Rosa e Chico Buarque. Ao ter a ideia da publicação, ela lembrou de mim e fez o convite. Nasci em Niterói, mas o Rio sempre esteve presente na minha vida. Depois que comecei a atravessar a Ponte para cursar jornalismo na PUC, nunca mais larguei esse trajeto. Passei a ser uma frequentadora das ruelas cariocas, principalmente da Lapa, que é o berço do samba, um gênero musical pelo qual sou apaixonada. Participar deste livro também é uma forma de agradecer tudo o que esse lugar me ofereceu”, explica a jornalista Luciana Azevedo, que está entre os três autores niteroienses da publicação, junto com Aline da Silva Novaes e André Diniz.

Entre os autores dos ensaios e artigos, pesquisadores consagrados nos estudos sobre literatura, artes e cidade. Como Renato Cordeiro Gomes, que em “Todas as cidades, a cidade” revela a ligação visceral de Marques Rebelo com o Rio de Janeiro. Ou Vera Lúcia Follain de Figueiredo, que escreve sobre Rubem Fonseca e suas caminhadas. 

Há também representantes de uma nova leva de autores-pesquisadores que têm trazido vigor ao panorama de estudos sobre o universo simbólico da cidade. De acordo com o jornalista e escritor Alvaro Costa e Silva, na orelha do livro: “O que surge nestas páginas – em ensaios de fácil leitura mas que nem por isso abdicam da profundidade – é uma cidade em mutação e que se vale das artes para fazer uma espécie de autoanálise. A qual pode assumir formas duras ou delicadas, sofisticadas ou brutais. Só não foge do enfrentamento de si mesma, seja na literatura, na música ou no cinema, e até nas novelas de televisão”.

“Rio Circular” está dividido em quatro partes. “Irrelevâncias, subversões, fuzuês” reúne ensaios que têm como matéria-prima a experiência da vida ordinária em textos que analisam representações do cotidiano. A segunda parte, “Solvitur ambulando”, agrupa análises sobre autores e obras para os quais perambular é um elemento-chave à produção literária. Já na terceira parte, “Tensões entre o moderno e o pós-moderno”, artigos problematizam essas tensões no espaço urbano. Por fim, a quarta e a última parte do livro têm o título retirado de uma célebre charge de Ziraldo: “Só dói quando eu Rio”, encarnando a perversa dualidade da metrópole carioca, relatando a violência e a exclusão, mas, ao mesmo tempo, a força das recentes vozes vindas da periferia.

“Eu e a Rosana Lobo fizemos pós-doutorado na mesma época e éramos supervisionadas pelo mesmo professor, o Renato Cordeiro Gomes. Nesse período, demos um curso com ele na PUC, Comunicação e Literatura, no qual várias discussões sobre a cidade surgiram. Decidimos, então, organizar essa coletânea e se juntou a nós a jornalista Juliana Krapp. Em seguida, selecionamos, para colaborar, pesquisadores que têm se dedicado ao Rio de Janeiro. Alguns textos abordam a cidade colonial, outros, a cidade moderna e a contemporânea. Podemos, inclusive, ver aproximações entre elas, mas também distanciamentos. Não pretendemos lançar um olhar romantizado para o Rio de Janeiro, embora todos os autores amem a cidade. Mas nosso olhar é um olhar crítico, que denuncia a violência e a desigualdade, bem como suas implicações. Desigualdade sempre existiu em uma cidade que se ergueu a partir da segregação, desde as reformas de Pereira Passos, no início do século XX, até a construção do Porto Maravilha, quando os mais pobres não são contemplados nessas transformações urbanas”, ressalta a professora e uma das organizadoras do livro, Aline da Silva Novaes.

Lançado em setembro pela editora Autografia, e disponível nas principais livrarias, a obra também é um convite ao leitor para pegar o ônibus “Rio Circular” e percorrer o Rio de Janeiro, afirma Aline, explicando que o título do livro se refere justamente à ideia do ônibus que ilustra a capa. “Em ‘A alma encantadora das ruas’, publicado em 1908, João do Rio escreve: ‘Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua. É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas. Acho que todos nós partilhamos desse amor do qual nos fala João do Rio”, destaca e conclui Aline.