No espaço sideral dos talentos

Entretenimento
Tpografia
  • Mínimo Pequeno Médio Grande Gigante
  • Fonte Padrão Helvetica Segoe Georgia Times

Luís Capucho, que já foi da Astronauta Discos, fará uma participação especial no evento

Divulgação

Niterói, 1999. Um jornalista e produtor musical, que não levava tanto jeito para cantar ou tocar instrumentos, decidiu usar suas experiências como colunista de publicações especializadas de música – como a hoje extinta International Magazine – e descobridor de novos artistas no período em que trabalhou na gravadora PolyGram para fundar, em Niterói, seu próprio selo: a Astronauta Discos. De lá pra cá, muitos dos novos talentos que despontaram na cena musical alternativa do Brasil, como Autoramas, Galaxy, Coyote Valvulado e Luís Capucho, tiveram na gravadora de Leonardo Rivera uma primeira casa para lançar seus álbuns de estreia.

Na quarta-feira (4), a partir das 20h, os 16 anos do selo serão celebrados na edição de novembro do projeto “Quartanauta”, no Teatro Popular Oscar Niemeyer. Na abertura do evento, Rivera dará uma palestra falando sobre a trajetória da gravadora e os desafios do mercado independente na música. Na sequência, a cantora Ju Martins, que está há três anos com a Astronauta Discos, faz o show comemorativo, mesclando algumas de suas principais influências, como Beatles, João Gilberto, Luiz Gonzaga, Billie Holiday e Elis Regina. Para completar a festa, haverá a participação especial do cantor e compositor Luís Capucho, que já teve suas canções gravadas por nomes como Pedro Luís, Cássia Eller e Nana Caymmi e lançou seu álbum de estreia, “Lua Singela” (2003), pela gravadora.

“Desejei criar o selo para poder eu mesmo decidir o que lançar e ter o contato direto com o artista e seu empresário. Também foi uma escolha emocional, movida pela minha paixão pela música e desejo de ajudar as pessoas a realizarem suas carreiras”, explica Rivera. 

A cantora Ju Martins vai fazer um show especial em comemoração à data

Divulgação

O produtor também recorda que o primeiro grande desafio que enfrentou foi fazer da Autoramas, primeira banda que assinou com o selo, um nome conhecido além do nicho independente. Ele ressalta que a parceria com a Universal Music, que acabara de comprar a PolyGram na época, teve grande importância no sucesso do lançamento do grupo carioca.

“Isso foi possível graças ao apoio financeiro e logístico que recebemos, além, é claro, do trabalho de ralação da Autoramas na estrada”, comenta.

Ao contrário do que muitos podem acreditar, não existe glamour no trabalho de produtor, pelo menos não em um selo independente. Rivera considera fundamental “arregaçar as mangas e pegar na enxada”, pois, na avaliação dele, a disputa no mercado fonográfico é cada vez maior, apesar de a independência artística hoje ser maior.

“Não existe almoço de graça e o mercado está mais fechado ainda pelo lado comercial, e mais aberto pelo lado artístico. Como o produto físico está acabando, com a melhora da banda larga no País, a tendência já é o usuário ser assinante de um serviço de música como Spotify, por exemplo, tal qual já faz com TVs a cabo e o Netflix. O caminho é esse”, analisa.

Apesar dessa independência artística possibilitada pelo maior acesso à banda larga e o crescimento exponencial de diversos canais de comunicação direta entre artista e público, como as redes sociais e o YouTube, Leonardo Rivera considera que a figura do produtor musical e o suporte de alguma gravadora são cada vez mais necessários, exatamente em função do crescente número de cantores e bandas, que surgem todos os dias.

“Alguns artistas acham que, por conta da abertura que surgiu com o acesso à tecnologia e à venda digital de música, não precisam mais de selos e produtores. Ao contrário, agora precisam ainda mais, até para eles saberem como inserir com destaque suas ideias em um mercado tão competitivo. Quando um artista não sabe nada de mercado e fica compondo, cantando e fazendo shows, ele precisa de alguém de confiança que faça essa outra parte pra ele”, argumenta o produtor.

A experiência de Rivera como jornalista permitiu a ele a inserção no mercado fonográfico com um olhar mais apurado. Dentre as bandas descobertas pelo produtor nos tempos de “olheiro” da PolyGram, estava o grupo Farofa Carioca, que contava com Seu Jorge nos vocais. Ele destaca que as entrevistas que realizou com cantores de sucesso contribuíram para este olhar mais apurado.

“Já entrevistei muita gente boa. Rita Lee, Gilberto Gil, Nação Zumbi, Cássia Eller, e, é claro, que ajuda ouvir opiniões de gente assim, porque eu sempre perguntava mesmo. É natural da nossa profissão, a curiosidade”, brinca o produtor, que atribui a Rita Lee e Roberto de Carvalho sua entrada na PolyGram. “Eles muito generosamente falaram de mim para os executivos da gravadora na época durante uma entrevista, o que culminou na minha contratação no final de 1996”, se recorda, em tom de agradecimento.

Rivera lembra, ainda, que a experiência adquirida nos tempos de PolyGram foi fundamental para a criação da Astronauta Discos alguns anos depois. O contato profissional com gêneros musicais diversos foi, na opinião do produtor, um dos aprendizados mais importantes naquele período.

“Minhas experiências como assistente em projetos como ‘Casa de Samba’, ‘Casa da Bossa’ e ‘Casa do Forró’, por exemplo, todos capitaneados pelo meu diretor artístico da época, Max Pierre, foram aulas onde convivi com artistas de diversos gêneros. De Marinês a Falcão, passando por Zeca Pagodinho e Leila Pinheiro. Foi lá que aprendi a montar a seleção de repertório de um disco, discutir estética e estilo com os artistas, fazer contatos na área e tirar ideias musicais de estúdio e lançá-las. Foi um doutorado”, enfatiza.

A respeito do show de Ju Martins no aniversário da Astronauta Discos, o produtor não hesita na hora de elevar o nome da pupila. A cantora, que lançará seu segundo álbum pela Astronauta Discos no ano que vem, recebe altos elogios de Rivera, e não só pela parte musical.

“A Ju, além de uma pessoa incrível e de caráter, tem a musicalidade na veia. É uma batalhadora, operária da música, tem a sensibilidade certa para ajudar a projetar a si mesma e a Astronauta mais pra frente. Os músicos que a acompanham são incríveis e fizemos um álbum no estúdio da Warner Chappell, na Gávea, que ficou demais e será lançado em 2016. Eu destaco nela a voz suave e, ao mesmo tempo, forte”, entaltece.

Outro artista que teve seu álbum de estreia lançado pela Astronauta, embora sua trajetória como compositor seja anterior, é Luís Capucho, que fará uma participação especial no evento e, mesmo não tendo mais contrato com selo de Rivera, é classificado pelo produtor como um “talismã” de vários eventos da gravadora.

“O Luís é um amigo querido, artista de primeira grandeza. Seu primeiro álbum, ‘Lua Singela’, lançamos em 2003 e chamou a atenção nacional, que estava no underground carioca. De lá pra cá, ele escreveu livros, lançou outros discos fora da Astronauta, mas acabei sugerindo a ele ideias para seu projeto atual, ‘Poema Maldito’, e lhe apresentando seu atual produtor e músico, Felipe Castro. O Luís é sensacional e ele dar uma canjinha pra nós será como um brinde extra”, comemora o produtor.

A parceria com o Teatro Popular na “Quartanauta” é considerada por Rivera uma oportunidade de apresentar a Niterói artistas locais que ainda estão batalhando o próprio espaço na música. Ele considera, ainda, que a cidade precisa resgatar a tradição de lançar novos artistas, a exemplo do que ocorria nos anos 80.
?
“A tradição da cidade é esta. Aqui tinha show até nas Barcas, no final dos anos 80. Ou projetos como “Fim de Tarde”, que acontecia no extinto Teatro Leopoldo Fróes. Isso sem falar na Fluminense FM. Quem imaginava que uma rádio de Niterói iria lançar a Legião Urbana nas ondas do dial, por exemplo?”, recorda.