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Estreia acontece neste sábado (09) no Teatro da UFF
Foto: Renato Mangolin/Divulgação
O mundo infantil é moldado e construído através da imaginação e da criatividade. É isso que permite com que a criança seja permeada pela vontade de se tornar herói, princesa, vilã e oscilem entre a realidade concreta e a imaginação. Na peça “O menino que brincava de ser”, que estreia neste sábado (9) no Teatro da UFF, três crianças mergulham no universo teatral para dar vida a Dudu, um garoto diferente dos outros, que prefere brincar de faz de conta a jogar futebol. O menino então sofre com a incompreensão da família e dos amigos que a todo momento tentam moldá-lo e limitar suas brincadeiras.
O texto, baseado no livro homônimo de Georgina Martins, mostra três amigos que precisam interpretar “O menino que brincava de ser” para uma peça da escola. Brincando com roupas, fantasias e personalidades, eles oscilam entre os personagens masculinos e femininos da história, como Dudu, a mãe, o pai, a avó, a professora. O jogo da atuação faz com que a menina se vista de menino para interpretar o pai, o menino coloque uma saia e interprete a professora. Com humor e leveza, os atores trazem questionamentos retomados do livro, como brincar com a criatividade, o bullying infantil, e o sexismo. “A decisão de trabalhar com ‘O menino que brincava de ser’ veio por ser um material rico, que diz respeito à diversidade e à construção do imaginário infantil”, afirma o diretor da adaptação, Cleiton Echeveste.Há 9 anos em cartaz – a peça estreou em 2007 e foi a primeira da Cia. de Teatro Pandorga –, já passou por várias cidades como Barra Mansa, Rio de Janeiro, São Gonçalo e, agora, volta para Niterói para uma temporada no Teatro da UFF. O espetáculo foi o primeiro infantil indicado ao “Festival Mix de Cultura e Diversidade”, em São Paulo, e já recebeu prêmios nos festivais nacionais de Guaçuí (ES), Duque de Caxias (RJ) e Ponta Grossa (RS).
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Os três amigos interpretam personagens masculinos e femininos da história do livro, como Dudu, a mãe, o pai, a avó, a professora
Foto: Renato Mangolin/Divulgação
Para Georgina Martins, escritora do livro, a peça consegue debater de forma objetiva os temas do livro. “A adaptação nos palcos é uma forma concreta do texto. É mais direto. O espetáculo atinge na mesma hora o público, é simultâneo”, avalia. O uso da imaginação livre de Dudu incomoda seu pai e sua avó paterna, que enxergam aquilo como uma “anormalidade” ou “doença”.
Na peça, os diálogos adaptados do livro se misturam com a própria relação de amizade entre os personagens, fugindo de um tom didático e colocando a discussão de maneira informal e contemporânea. “Para mim, o principal papel do Dudu é transmitir liberdade. Quero ensinar que as crianças podem ser o que quiserem”, reforça Georgina.
O diretor Cleiton Echeveste reitera a importância desse tema para as crianças em formação.
“O texto faz com que a plateia reflita sobre a diversidade. É necessário que se fale sobre isso, que se pense sobre isso, para entender melhor o outro”, comenta.
De forma metalinguística, o teatro dentro do próprio texto permite uma leveza na abordagem do preconceito e das diferenças. Dudu, junto com sua avó materna, descobre o mundo de experimentações e se encanta pelo palco. Entre brincadeiras e confrontos dos personagens com os próprios diálogos do texto, a peça vai ganhando novas interpretações, mas sempre tendo como mensagem o respeito à possibilidade de ser.
A barreira do preconceito silencia a pluralidade
“O menino que brincava de ser” foi lançado no ano 2000 e traz consigo um tema muito importante e necessário na sociedade: a discussão dos papéis de gênero e do bullying infantil. Ao colocar padrões de “normatividade” masculino e feminino, define-se também comportamentos a não seguir, e se silencia a pluralidade. O garoto brincar de boneca e a menina brincar de bola, por exemplo, é censurado e se transforma em tabu, pois transborda do que é colocado como “ideal” pela sociedade.
A psicóloga Virgínia Georg Schindhelm ressalta que o problema da divisão entre homem versus mulher cria uma educação hierarquizada e, se não houver o conhecimento da diferença, a criança se torna o “bizarro”, e sofre com o preconceito dos outros. “O conceito de gênero também atua nas relações de poder que existem entre homens e mulheres em contextos culturais, sociais e históricos. Ainda hoje vivenciamos experiências que posicionam homens e mulheres de maneira diferenciada, e colocamos isso na educação”, salienta.![]()
O diretor Cleiton Echeveste reitera a importância do tema para a formação das crianças
Foto: Renato Mangolin/Divulgação
A problemática da visão do pai e da avó paterna do menino na peça é que eles repetem uma educação machista, que faz diferença entre os gêneros, no sentido de que tudo associado ao universo feminino é tido como inferior. O protagonista escapa desse desejo que a sociedade tem dele, pois, como criança, ele tem, ainda, a liberdade de entender a vida sob o ângulo da fantasia e da imaginação, e isto não está relacionado à questão dos gêneros.
Para Georgina, é preciso tocar no assunto das diferentes formas de brincar, para que pais e professores consigam respeitar a diversidade e o crescimento das crianças. “A família não pode fingir que não vê, e os professores não podem ignorar. É um papel dos pais e da escola discutirem sobre este assunto, pois quando esta criança sofrer bullying ela precisa ter um ponto de apoio”, explica.
Dudu encontrou no teatro a possibilidade de se fantasiar e brincar, independente do gênero. Tanto o espetáculo como o livro não trazem o debate sobre sexualidade de forma direta, é tudo uma brincadeira entre o poder ser e o interpretar. O “ser” representa uma possibilidade, que vai além de ser homem ou mulher. A alternativa de poder brincar e transitar entre os universos é o que encanta o garoto.
Virgínia afirma que é papel de toda a sociedade construir um ambiente seguro e diverso para as crianças. “Cabe a todos nós, familiares, educadores e amigos, entre outros, refletir sobre nosso papel e nossa responsabilidade na construção, manutenção ou subversão desse processo no desenvolvimento dos jovens”, ressalta.
O espetáculo foge do pensamento raso, que muitas vezes é associado às peças infantis, e puxa a plateia para uma jornada de aprendizado. Em meio aos discursos de ódio frequentes na televisão e na internet, “O menino que brincava de ser” é um grito de alteridade e de compreensão do diferente e das diferenças.
O Teatro da UFF fica na Rua Miguel de Frias, 9, Icaraí, em Niterói. Sábados e domingos, às 17h. Preço R$ 30 (inteira). Censura: livre. Telefone: 2629-5000.
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