Prisões impostas pela vida

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Na trama, Mateus é morador de uma pacata cidade do interior de Minas Gerais, Descoberto, e está infeliz com seu emprego em uma indústria local de confecção

Foto: Divulgação

Para a Filosofia, a liberdade pode ser compreendida como a ausência de submissão ou até mesmo de servidão. Há, contudo, outras conclusões sob o termo que afirmam que é sinônimo de autonomia e a espontaneidade de um sujeito racional. Celebrando a liberdade, quebrando não só “gaiolas”, mas também as distâncias, o ator niteroiense João Campany representou no CineBH: Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte, no fim do mês passado, o curta “Alforria”, protagonizado por ele. Além do CineBH, o trabalho de João pôde ser conferido, também, no Cine Giro, mostra de filmes que levou cinema e música ao ar livre para o Largo do Machado, no Rio. 

O drama, filmado na cidade de Descoberto, em Minas Gerais, conta a história de Mateus – interpretado por João –, morador da pacata cidade do interior, que, entediado e confuso, é pressionado a voltar a trabalhar na confecção da cidade após ser demitido da oficina de motos em que trabalhava.

Para João, a principal crítica do filme é sobre as “gaiolas” nas quais muitas pessoas se sentem obrigadas a se aprisionar.  “São pequenas prisões nas quais vamos nos inserindo em nossa vida: onde trabalhamos, quem namoramos, onde vivemos. Tudo isso nos aprisiona de uma maneira sutil”, explica João.  Participando de inúmeras seleções, “Alforria” foi selecionado para outras mostras e festivais. A Mostra 4 em 1, que acontece na terça-feira (1º), no Cine Maison, no Centro do Rio, exibirá às 19h o curta dirigido pelo cineasta mineiro Bruno Rubim. Já o Festival de Cinema de Juiz de Fora e Mercocidades, que acontece em Minas Gerais entre os dias 21 e 26 de novembro, divulgou ontem a participação do curta estrelado pelo niteroiense, que concorre, inclusive, a prêmios. O mesmo acontece no 15º Festival Noia de Cinema, em Fortaleza, programado para o final do próximo mês.

Antes, o personagem principal trabalhava em uma mecânica com motos e se sentia realizado e não aprisionado

Foto: Divulgação

Segundo João, há muita necessidade de frisar a importância do cinema, principalmente nesse contexto, por ele ter capacidade de fazer com que o público seja representado nas cenas. Marcado na pele do ator após se queimar com a moto do personagem em uma cena, Mateus é caracterizado como impulsivo, além de representar muitos trabalhadores – principalmente os de Descoberto.   “O Mateus representa essas pessoas que trabalham oito horas por dia para uma empresa, vendendo seu tempo e mão de obra. Isso é algo muito sério: ainda mais se não gostam do trabalho. Com isso, são oito horas olhando para o relógio esperando a hora de ir embora. Ou seja, meu personagem representa o trabalhador que vende seu trabalho e sua hora exclusivamente por dinheiro. Zero prazer”, conta. 

Com isso, ele conclui que, quando se trabalha com o que gosta, trabalha feliz. Contudo, quando faz por obrigação, alimenta o sentimento de estar em uma prisão.  “Vemos isso na história do Mateus: quando trabalhava com o que gosta, que são as motos, estava realizado. Porém, quando precisou se limitar à confecção, passou para um estado melancólico, questionativo. Ou seja: preso”, expressa.
Ao fim da primeira sessão de lançamento do filme, feito em uma praça pública em Descoberto, em agradecimento à cidade por ter abrigado a equipe, uma moradora local abordou o ator, com lágrimas nos olhos.  “Eram lágrimas de emoção, ela segurava o choro. A moça veio a mim dizendo que eu não sabia como ela era o Mateus em inúmeros momentos da vida. Disse que tentava abrir gaiolas o tempo inteiro, mas que algo a puxava para baixo, a prendia”, lembra João.

Duas semanas antes das filmagens, o ator viajou para o lugar onde seria filmado para conhecer e visitar a cidade, para, em seguida, voltar a Niterói e estudar o personagem e, às vésperas das gravações, voltar a Descoberto. Porém, não aconteceu como previsto.  “Quando cheguei lá, vi que o buraco era mais embaixo. O personagem era muito mais denso do que eu imaginava. Comecei a entrar em crise, achando que seria um erro voltar para Niterói e estudar o Mateus lá. Precisava estudá-lo em Descoberto. Não era só aprender a costurar. Não era aprender o sotaque. Eram questões internas: como sentir aquela ‘prisão’”, explica o ator. Então, desistindo de voltar à cidade natal, ficou em Descoberto, na casa da família do diretor Bruno Rubim – nascido e criado no município.  “Acabei ficando e, com o tempo, parei de pesquisar. Não ia à rua com caderno embaixo do braço. Ia de chinelo, visitava os locais comuns da cidade, me tornei um morador de Descoberto. Fiz amizades. Fui vendo a maneira de falar, os costumes. Quando fomos para a cena, o Mateus já estava latente. Já estava pronto. Até o modo de andar não era meu: era do personagem”, conclui o ator. 

O Teatro Maison de France fica na Avenida Presidente Antônio Carlos, 58, no Centro do Rio. Na terça-feira (1º), às 19h. Entrada franca. Censura: livre. Telefone: 3974-6644.