Realidade nua e crua da Índia

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O filme “Que assim seja” (Astu), com direção de Sumitra Bhave e Sunil Sukhtankar, 2014.

Foto: Divulgação

Conhecida por sua cultura e espiritualidade, a Índia possui uma variedade de comportamentos e costumes diferentes em cada uma de suas regiões, somando 18 línguas oficiais no país. Pensando nessa diversidade, o Centro Cultural Banco do Brasil, no Centro do Rio, apresenta a mostra “Novo Cinema Indiano”, de 6 a 15 de janeiro, com curadoria de Carina Bini e Shankar Mohan. Serão exibidos 10 filmes em pelo menos sete línguas diferentes, feitos pela nova geração de cineastas indianos e que disputaram festivais nacionais e internacionais. A intenção é mostrar a riqueza cinematográfica do país, que vai além de Bollywood. Para a sessão especial de abertura, no dia 6, às 19h, haverá apresentação de dança indiana com Ludymilla van Lammeren e exibição do filme “Armadilha” (Ottaal).

“O ovo do corvo” (Kaaka Muttai). de M. Manikandan, 2014

Foto: Divulgação

Organizando festivais internacionais de cinema na Índia durante os últimos 25 anos, o curador indiano Shankar Mohan conta que a mostra levou dois meses para ser completamente montada. Em parceria com Carina Bini, escolheram filmes que mostrassem outras possibilidades do país, que não são muito divulgadas na grande mídia.

“São 10 filmes que considero de destaque dentro do panorama do cinema indiano atual. Nem todos são filmes populares, mas a maioria foi premiado dentro ou fora da Índia. Buscamos também transitar pelas diversas regiões do país, e cada filme carrega uma característica peculiar da diversa cultura indiana. Para quem conseguir assistir os 10 filmes, isso ficará muito claro e tenho certeza que o universo do cinema indiano se expandirá para o público brasileiro a partir dessa mostra”, explica Shankar Mohan.

O curador ressalta que trazer essa realidade para o Brasil é uma forma de aproximar os dois países, além de uma grande oportunidade para os brasileiros, pois essa troca pode inspirar as pessoas e fazê-las mais consciêntes enquanto potências culturais.

“Emoções e sentimentos humanos são universais! Ambos os nossos países sofreram nas mãos dos colonizadores. Nossa indústria cinematográfica, por exemplo, foi influenciada a partir do início de 1900 pelos irmãos Lumier e, posteriormente, seguido pelo neo-realismo italiano e o cinema novo francês. A Índia tem vivido uma forma muito estável de democracia nos últimos 65 anos, enquanto o Brasil passa por muita turbulência política. Além disso, as questões geopolíticas dos dois países também são diferentes. Conseguimos, portanto, ver essas preocupações nos filmes brasileiros, enquanto a maioria dos filmes indianos se concentra no entretenimento. Apenas alguns cineastas independentes lidam com questões sociais. Assim, embora existam grandes diferenças no conteúdo e estilo dos filmes feitos no Brasil e na Índia, o que é comum entre os dois cinemas é a preocupação com a humanidade. Acredito que trazer esses filmes totalmente inéditos para os brasileiros seja uma forma de nos reconhecermos enquanto culturas diversas, porém instigantes”, diz Shankar .

A brasileira Carina Bini é uma estudiosa e apaixonada pela Índia. A também curadora entende que o trabalho de seleção que fez com os filmes foi uma forma de diferenciar esse cinema do que é feito em Bollywood.

“Vivi na Índia nos últimos três anos e, convivendo dentro da sociedade de um estado do sul do país, consegui entender como o cinema indiano, definitivamente, não é apenas Bollywood. Há, sim, um forte cinema comercial, mas que carrega aspectos da cultura regional da indústria de onde é produzido. Assim como Bollywood, existem, hoje, outras indústrias fortes de cinema, como a indústria do cinema Tamil, que tem mega produções e bilheterias que rendem milhões. Mas essa mostra ainda vai além, pois fugimos desse cinema de formulas padronizadas e buscamos mostrar o cinema ‘autoral’, de realizadores de diferentes regiões da Índia. Esse cinema chega nas salas comerciais e é exibido no circuito de festivais, trilhando um ‘caminho do meio’ entre o cinema cult e comercial. Há uma geração de cineastas que buscam esse caminho para seus filmes”, revela Carina Bini.

Para ela, é difícil eleger um filme preferido, pois há, em todos eles, um diferencial importante. Mas ela menciona “Punhalada no Coração”, “Navio de Teseu” e “Ilha de Munroe” como interessantes no ponto de vista das características apresentadas.

“Produções como a do filme ‘Punhalada no Coração, que inclusive é em hindi – língua dos filmes bollywoodianos – expressa bem esse caminho do meio, pois é uma mega produção, teve forte distribuição comercial, mas busca uma linguagem mais criativa para contar a história de um cantor indiano. Já os filmes ‘Navio de Teseu’ e ‘Ilha de Munroe’ trazem características bem locais e linguagem universal, provando a capacidade da sétima arte de atravessar fronteiras emocionando diferentes plateias”, comenta ela. 

O grande contraponto que Carina vê entre os filmes selecionados e os que são produzidos por Bollywood é a linguagem. Não se vê a realidade tão romantizada, voltada para as grandes bilheterias, e sim um caráter mais questionador e reflexivo.

“Bollywood vende uma fórmula, com melodrama e músicas dentro do desenrolar do filme, quase como um videoclipe amoroso no meio do filme, que faz a plateia sonhar com momentos inesquecíveis do mocinho com sua amada. Essa é uma fórmula do cinema comercial de várias regiões do país. Os filmes da mostra trazem um cinema totalmente diferente, sem “dancinhas”, com histórias de uma Índia real, sem estereótipos, que questiona e aponta os desafios de uma sociedade de tradição milenar em profundas transformações”, finaliza Carina Bini.

Filmes - Os filmes que estão disponíveis na mostra “Novo Cinema Indiano” são: “Projetista” (2015), de Kaushik Ganguly; “Ilha de Munroe” (2015), de Manu; “Geragalu” (2015), de Nikhil Manjoo; “O ovo do corvo” (2014), de M. Manikandan; “O fabricante de caixão” (2013), de Veena Bakshi; “Armadilha (2015), de Jayaraj Rajasekharan Nair; “Punhalada no coração” (2015), de Subodh Bhave; “Navio de teseu” (2013), de Anand Gandhi; “Que assim seja” (2014), de Sumitra Bhave e Sunil Sukhtankar; “Apur Panchali” (2013), de Kaushik Ganguli.