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“O Despertar da Primavera” narra a história de meninos e meninas que descobrem o suicídio, o aborto, o amor e a sexualidade
Foto: Antônio Ferreira/Divulgação
Com espetáculos idealizados a partir de estudos de teóricos teatrais dos séculos XIX e XX como Stanislavski, Grotowski e Eugênio Barba, a Oficina Social de Teatro (OST) inicia a sua segunda edição da mostra “Verão no Palco”. O festival estreia nesta quarta-feira (24), às 19h30, com a peça “O Despertar da Primavera”, dirigida por Amaury Lorenzo. Na quinta-feira (25), também às 19h30, será a vez da montagem “A Cidade das Donzelas”, que conta com a direção de Erika Ferreira. Ao todo, entre fevereiro e abril, seis espetáculos serão apresentados no Teatro Eduardo Kraichete, em Icaraí, Niterói.
Com texto de Frank Wedekind, “O Despertar da Primavera” narra a história de meninos e meninas que crescem em meio ao caos e descobrem o suicídio, o aborto, o amor, a sexualidade e a tragédia. Diante disso, um turbilhão de afetos explode e o grupo de jovens passa a buscar respostas para esse momento. De acordo com o diretor Amaury Lorenzo, a peça foi construída em conjunto com a turma de iniciação ao teatro composta por jovens que estão tendo o primeiro contato com o universo teatral.
“Na peça, jovens buscam respostas para o turbilhão de emoções que é ter 15 anos. O texto escolhido já é um desafio para esses alunos. O ‘Despertar da Primavera’ trata de sexualidade, juventude, desejos, religião, aborto, homossexualidade, e levar ao palco essas questões tão complexas exigiu uma dedicação extrema dos alunos iniciantes”, explica o diretor.
O espetáculo é construído a partir de estudos do ator, diretor, escritor e teórico russo Constantin Stanislavski, que teve grande destaque entre os séculos XIX e XX. Em seu estudo, o teórico procurava o efeito da verdade. Segundo Lorenzo, Stanislavski considerava o ator a máquina essencial capaz de viver, no palco, as relações humanas.
“O ator precisa estar em ação, em movimento, enérgico, em transe, e, ao mesmo tempo, com domínio de suas ações. Stanislavski fala do uso da memória como possibilidade de atuação. Ele oferece ao ator a possibilidade de sua experiência de vida no palco, e vice-versa. Isso é fantástico”, ressalta.
Para discutir as relações humanas, a peça mescla estéticas teatrais, como o musical no teatro. O ator, como afirma Lorenzo, é um performer que canta, dança, interpreta e vive no palco todas as suas possibilidades. Durante o espetáculo os atores vão cantar a música “Todo Amor que Houver Nessa Vida”, do Cazuza.
“Mesclar essas linguagens é dar a oportunidade do aluno ator ser completo em cena, usar todas as suas possibilidades para chegar ao público, para tocar. É interessante que partimos da linguagem realista stanislavskiana, passamos pelo movimento corporal expressionista, usamos da linguagem musical, do canto, e, mesmo assim, mantemos a linha de concepção do espetáculo. ‘O Despertar da Primavera’ trata dessas misturas, desse frenesi, desse grande quebra-cabeça que é ser adolescente, jovem”, analisa Lorenzo.
Questões polêmicas que estão sendo amplamente discutidas atualmente, como o suicídio, o aborto e a sexualidade são evidenciadas no espetáculo. O turbilhão de afetos trabalhado na peça coincide com a vivência dos próprios atores. Para Lorenzo, o teatro tem o poder de falar de nós. Além disso, ele pode ser entretenimento, mas também é uma ferramenta poderosa para a transformação da sociedade.
“Um exemplo no ‘Despertar da Primavera’ é uma cena onde dois atores se abraçam, trocam carícias e são homens, adolescentes. Levar essa questão ao palco e fazê-la ser vista por 200 pessoas num teatro é um desafio, mas também é a possibilidade de desdobrar essa discussão. Assim como o aborto, o suicídio, a sexualidade, a relação pai e filho... São questões nossas, humanas, diárias, que dizem respeito à nossa raça, à nossa sociedade. Por isso o teatro é tão transformador aos alunos, ao público. O teatro trata de vida, reúne e salva”, ressalta.![]()
“A Cidade das Donzelas” apresenta a relação de mulheres com os homens de uma cidade que traem e as violentam
Foto: Antônio Ferreira/Divulgação
Nesta quinta-feira, às 19h30, será a vez do espetáculo “A Cidade das Donzelas”, escrito a quatro mãos pela diretora e professora da OST Érika Ferreira e pelo ex-aluno da oficina Lucas Lima, de 17 anos. A história acontece numa cidade canavieira onde existem mais homens do que mulheres. As mulheres, mesmo as casadas, são vistas como objetos e não podem sair à rua. A narrativa apresenta a relação delas com os homens da cidade que, no decorrer da história, traem, violentam e estupram.
De acordo com Erika, a construção do texto foi motivada pela angústia observada e sentida de perto pelos dois artistas, ambos criados por mulheres guerreiras. Ao se deparar com a turma de maioria masculina, segundo ela algo bem peculiar nas turmas de teatro no Rio de Janeiro, percebeu a força das meninas, e, em seguida, a força e a integração da turma como um todo. A professora acabou convidando Lucas para escrever o texto, que aborda a força feminina.
“Convidei o Lucas Lima para escrever o texto junto comigo nos voltando para a força feminina, focando no poder dessas mulheres, que inicialmente são de uma turma, mas na realidade são de vários lugares. Assim desenvolvemos essa cidade onde existe essa maioria de homens e onde as mulheres são colocadas como objetos”, explica a diretora.
Na construção do espetáculo são utilizadas pesquisas sobre os estudos de Eugênio Barba e Grotowski, considerados dois dos principais renovadores teatrais do século XIX e XX. A história da peça, segundo Érika, será contada por meio de manifestações da cultura popular, com música cantada e tocada ao vivo e danças populares. O estudo da cultura brasileira foi realizado em sala através do estudo da antropologia teatral, conceito criado por Eugênio Barba.
“Estudamos em sala de aula os cantos de trabalho, a dança afro, brincadeiras populares, cantos em ioruba e cantos indígenas jogando luz no corpo, na voz e na interpretação. Para Eugênio Barba, o ator deve se afastar do natural-artificial e mergulhar em outras culturas descobrindo o verdadeiro corpo. Em alguns momentos de mais violência (dentro da cena) trazemos uma dança que representa o sentido da cena e cantamos para expressar a dor. Buscamos assim outra forma de contar”, revela.
Durante o desenvolvimento da peça, os atores fizeram exercícios em que colocavam a mulher em situações de opressão. Érika ainda conta que foi complicado para os meninos ficarem no lugar do opressor. O grupo também participou de um bate-papo com a professora de história e militante feminista, Talíria Petrone, que trouxe números reais de mulheres subjugadas e violentadas no Estado do RJ e no Brasil.
“Ficamos chocados com os números e vimos como nunca é demais jogarmos a lente sobre esse tema. Usamos da arte para falar de algo tão real e irreal ao mesmo tempo, e espero que o público ali presente possa de alguma forma ser tocado com a mensagem e não ache normal que a mulher seja ainda subjugada em pleno século XXI. Que mais mulheres se levantem e digam não”, incentiva a diretora.
De acordo com o diretor da OST José Geraldo Demézio as duas peças apresentam duas linhas de criação. A primeira, de “O Despertar da Primavera”, se baseia na captação de uma obra de domínio público que foi adaptada à realidade da turma e produzida para o fim cênico. Nesse caso, o aluno tem a possibilidade de acessar o universo dramatúrgico, reconhecê-lo e inseri-lo de forma diferenciada em sua bagagem de estudos. No segundo caso, “A Cidade das Donzelas”, tem-se um processo de criação mais coletivo.
“Em todos os dois casos, temos a presença de diretores, o Amaury Lorenzo e a Erika Ferreira, respectivamente, capacitados e extremamente qualificados à criação original ‘linkando’ com as questões sociais que atingem a todos nós nos dias de hoje. Dessa forma, com esses trabalhos, a OST cumpre a sua função de gerar entretenimento acompanhado de reflexão social”, analisa.
Programação da próxima semana – A programação da segunda edição da mostra “Verão no Palco” continua nos meses de março e abril. No próximo dia 02 de março acontece a apresentação da peça “Penna em dois atos”, dirigida por Aléssio Abdon, com texto de Martins Penna. O espetáculo é ambientado no século XIX e composto por um repertório diversificado de cenas em que mulheres apresentam suas estratégias para conseguir um casamento, a partir dos confrontos com valores da época. No dia seguinte, 03, estará em cartaz a peça “Cruel”, com texto e direção de Amaury Lorenzo. A montagem trata da máquina mortífera e impetuosa que somos nós, seres humanos. São histórias curtas sobre amor, traição, abandono, política e sociedade, abordadas pelo viés da crueldade.
Na semana seguinte, no dia 9 de março, será apresentada a peça “Fragmentos do Real”, com direção de Aléssio Abdon e texto de criação coletiva. A partir de partituras psicofísicas, os atores darão vida ao roteiro do espetáculo. Amor, relacionamentos afetivos, sentimentos, questões sociais, temas políticos e outros assuntos relacionados à condição humana são trabalhados na montagem. Já em abril, no dia 13, acontece a última apresentação da mostra, o espetáculo “Uma Noite Pestilenta em Porcelana da China”. O texto foi adaptado por Sylvio Moura, da obra de Pablo Picasso, e dirigida por Érika Ferreira. Em um lugar perdido, pessoas abandonados à própria sorte vivem num sonho disforme transformado em peça teatral. Um retrato cubista da sociedade humana.
O Teatro Eduardo Kraichete fica localizado na Associação Médica Fluminense na Avenida Roberto Silveira, 123, em Icaraí, Niterói. Hoje e amanhã, às 19h30. Preço: R$ 40 (inteira). Classificação: 14 anos. Telefone: 2610-3902.
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