O chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, delegado Rivaldo Barbosa, afirmou nesta quinta-feira (15) que a polícia vai adotar todas as medidas “possíveis e impossíveis” para dar uma resposta ao assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes. Segundo o delegado, o crime, ocorrido na noite de quarta-feira, é gravíssimo e atenta contra a democracia.
“Estamos diante de um caso extremamente grave e que atenta contra a dignidade da pessoa humana e contra a democracia”, afirmou Barbosa. Ele disse que aceitará ajuda das instituições que estiverem dispostas a colaborar, mas destacou que a Polícia Civil tem condições de solucionar o caso.
De acordo com Barbosa, as informações já levantadas na investigação estão sob sigilo, e nenhuma hipótese de investigação está descartada, inclusive a de se tratar de um caso de execução.
O delegado responsável pelo caso será o novo titular da Delegacia de Homicídios da Capital, Giniton Lages. O antigo titular, Fábio Cardoso, foi promovido a diretor da Divisão de Homicídios, cargo que Rivaldo Barbosa ocupava antes de ser alçado a chefe da corporação.
Uma assessora da vereadora Marielle Franco também estava no carro no momento do crime e sobreviveu aos disparos. Ela foi ouvida como testemunha e receberá proteção do estado.
O chefe de Polícia Civil estava com o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), que é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Marielle foi assessora parlamentar de Freixo antes de ser eleita vereadora em 2016, com 46,5 mil votos.
“Quem matou a Marielle tentou matar a possibilidade de uma mulher negra, que nasceu na Favela da Maré, que era feminista, estar na política. É um crime contra a democracia”, declarou o deputado. Freixo disse que tinha contato constante com Marielle e sua família e que não há nenhuma informação de que a vereadora tenha recebido ameaças.
Marielle era moradora do Complexo da Maré e defensora dos direitos humanos, autora de frequentes denúncias de violações cometidas contra negros, moradores de favela, mulheres e pessoas LGBT.
“Denunciar policiais não é ser contra a polícia”
Independência - Marcelo Freixo destacou a atuação da vereadora, que denunciava crimes cometidos por policiais, o que não impedia que ela tivesse bom diálogo com a polícia e inclusive fosse amiga pessoal do atual chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa.
“O trabalho da Marielle, como o meu, nunca foi um trabalho contra a polícia. Denunciar policiais que cometem crimes não é [ser] contra a polícia. Temos que acabar com a ideia que existe no Rio de Janeiro de que quem defende direitos humanos é contra a polícia ou que a polícia é ameaçada pelos direitos humanos. Quem pensa assim é uma sociedade doente.”
Para o deputado, a morte de Marielle não provocará silenciamento, mas uma resposta de mais mobilização e luta pelas bandeiras que ela defendia.
“A resposta virá. Quem matou achando que ia calar a Marielle, transformou a Marielle em um símbolo que vai fazer com que muitas Marielles brotem nas praças públicas a partir de hoje. Isso não vai ficar impune e não vai ficar em silêncio”, afirmou Freixo.
Contrária à intervenção federal - Há duas semanas, Marielle havia assumido relatoria da Comissão da Câmara de Vereadores do Rio criada para acompanhar a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Ela vinha se posicionando publicamente contra a medida.
A parlamentar também chegou a denunciar, em suas redes sociais, no fim de semana, uma ação de policiais militares na favela do Acari.
O 41º Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando e violentando moradores de Acari. (…) Acontece desde sempre e com a intervenção ficou ainda pior”, escreveu.
A PMERJ confirmou a operação e argumentou que criminosos atiraram contra os policiais e houve confronto. Durante vasculhamento na comunidade, dois homens foram presos e houve apreensão de um fuzil calibre 7,62 mm e oito rádios comunicadores, segundo nota da corporação.
Trajetória - Eleita com 46,5 mil votos, a quinta maior votação para vereadora nas eleições de 2016, Marielle Franco estava no primeiro mandato como parlamentar. Oriunda da favela da Maré, Zona Norte do Rio, Marielle tinha 38 anos, era socióloga formada pela PUC, com mestrado em Administração Pública pela UFF e militava no tema de direitos humanos.
Ato covarde - A difícil tarefa de reconhecer o corpo da vereadora Marielle Franco coube à irmã, a professora Anielle Silva. Ela chegou por volta das 8h20 ao Instituto Médico-Legal (IML) e levou mais de duas horas para concluir o processo de liberação do corpo da parlamentar.
“Infelizmente, ela foi brutalmente assassinada. A gente mais uma vez sendo vítima da violência desse estado, sendo dessa ausência de segurança que a gente tem. Tentaram calar não só 46 mil votos [obtidos por Marielle na última eleição], mas também várias mulheres negras”, lamentou.
Segundo Anielle, o Complexo da Maré, onde Marielle nasceu e viveu parte de sua vida, “chora”, assim como o Rio de Janeiro e o Brasil inteiro.
“Ela só tinha um ano de mandato, não sei por que incomodava tanto. Não tinha necessidade de ser assim. Foi um ato covarde”, disse.
“Marielle era uma pessoa do bem, guerreira, sorridente, que estava lutando muito pelas mulheres negras”.
A reação dos políticos - Amigos, ativistas e companheiros de política participaram, em da Câmara Municipal do Rio, de um ato em homenagem à vereadora carioca Marielle Franco (PSOL). Durante o ato, os manifestantes pediram punição aos responsáveis pela morte.
A estudante Fernanda Werner, de 16 anos, fez questão de ir até a Câmara Municipal do Rio para prestar sua homenagem à vereadora.
“A melhor forma de homenagear a Marielle é continuar a luta dela. Está sendo muito difícil”.
O deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) afirmou que a morte de Marielle fere a democracia, os direitos humanos, a juventude e as mulheres. Ele disse esperar que a polícia apure o crime e descubra os responsáveis.
“Temos um mês de intervenção e um crime bárbaro desses, num local visível, cheio de unidades do poder público por ali, numa rua larga, iluminada. É insegurança total. Esses grupos mafiosos, grupos de extermínio, parece que quiseram dar uma demonstração de força”, disse o deputado, que é integrante da Comissão Externa da Intervenção Federal no Rio da Câmara dos Deputados.
Também deputado federal do mesmo partido de Marielle, Glauber Braga (RJ) disse que já foi solicitada uma reunião com o interventor federal na segurança do Rio, general Braga Netto, para tratar do assunto.
Talíria - A vereadora de Niterói Talíria Petrone, do mesmo partido de Marielle, o PSOL, afirmou estar muito abalada com o crime.
“Estou me sentindo devastada e profundamente ferida. Perdi uma amiga de militância feminista, que lutava pelos mesmos ideais e era a favor de uma sociedade livre do racismo, genocídio e da LGBTfobia. Esse atentado fere a democracia e os direitos humanos dos cidadãos. Mas, diante desse ato brutal que tenta calar a voz das mulheres de esquerda, eu assumo o compromisso de lutar contra esse sistema que atropela os direitos do negro e favelado. Hoje, a Marielle Franco se foi como uma guerreira, mas ela deixa seu legado de força e militância na política carioca. Se esse assassinato foi um recado para enfraquecer a nossa luta pela garantia dos direitos das minorias, eu gostaria de deixar claro que não vou recuar diante do medo e das ameaças,” afirmou.
Braga Netto se solidariza com as famílias - O Gabinete da Intervenção divulgou nota sobre os assassinatos no centro do Rio de Janeiro. O gabinete informou que o general Braga Netto repudia as ações criminosas como a que culminou na morte da vereadora e de Anderson Pedro Gomes, motorista dela.
“Ele se solidariza com as famílias e amigos. O interventor federal acompanha o caso em contato permanente com o Secretário de Estado de Segurança”, diz a nota do Gabinete de Intervenção.
Mais cedo, o secretário de estado de Segurança, general Richard Nunes, determinou à Divisão de Homicídios uma ampla investigação sobre os assassinatos e a tentativa de homicídio da assessora de Marielle, que sobreviveu ao ataque.