Durante esta semana assistimos alguns acontecimentos que acabaram mobilizando a atenção de toda a sociedade: a sentença condenatória do ex-presidente Lula; a aprovação de um parecer na CCJ da Câmara dos Deputados negando autorização para que o presidente Michel Temer seja processado no STF; e a sanção presidencial da “Reforma Trabalhista”. No entanto, entendemos que estes eventos não devem ser analisados como dados isolados da realidade, e precisam ser compreendidos como partes constitutivas de um processo histórico que teve início no século passado.
As últimas décadas do século XX foram marcadas por um conjunto de fatores que fizeram emergir uma nova dinâmica de funcionamento das relações internacionais. Estas transformações são um processo histórico ainda em curso, e acabaram provocando uma redefinição nos padrões de articulação entre os países. O final do século XX produziu mudanças significativas no cenário mundial, e a principal característica desta nova realidade foi denominada pela economista Maria da Conceição Tavares como a “retomada da hegemonia norte-americana”.
A partir do início da década de 1980 o governo dos EUA começou a adotar um conjunto de medidas, principalmente no sistema financeiro, com o objetivo de reverter alguns fatores da dinâmica de funcionamento das relações econômicas internacionais. Ao mesmo tempo, nos anos 80/90 do século passado alguns países centrais do sistema capitalista, principalmente os EUA e a Inglaterra, começaram a difundir um conjunto de idéias que objetivavam uma restauração dos valores e princípios liberais. A propagação destas ideias ganhou mais força a partir do fim da União Soviética, e esta doutrina acabou se difundindo sob a forma de um programa de políticas e reformas econômicas que deveriam ser adotadas por todos os países. Neste cenário, os países das economias periféricas foram compelidos a se submeter a esta nova realidade internacional, agora sob o controle hegemônico dos EUA, e tiveram que se adaptar aos interesses do sistema financeiro e dos grandes conglomerados econômicos, oferecendo ao “mercado” um horizonte de estabilidade, e restringindo qualquer tipo de incerteza para os investidores privados.
Assim, entrava em cena uma nova categoria que ficaria conhecida como “governabilidade”, onde os países precisavam se adaptar a um receituário de medidas de orientação neoliberal, que no seu conjunto eram traduzidas sob a denominação de “reformas estruturais”. Diante da escassez de recursos para novos investimentos, estabeleceu-se uma competição entre os Estados Nacionais para atrair novos capitais, oferecendo-se vantagens comparativas em termos de infra-estrutura, desonerações fiscais, desregulamentação de setores da economia, e flexibilização das legislações trabalhistas. No entanto, os países periféricos que se submeteram ao receituário neoliberal fragilizaram as suas economias, e passaram a ter maior dificuldade para atender as demandas internas da sociedade.
O Brasil se submeteu passivamente a este receituário neoliberal a partir das eleições presidenciais realizadas em 1989 que levou ao poder Fernando Collor de Mello, e o país se manteve alinhado ao receituário neoliberal durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso. No entanto, a eleição de Luis Inácio Lula da Silva em 2002 iria promover uma ruptura parcial com a lógica adotada pelos governos anteriores. O Brasil começou a desenvolver políticas internas e alinhamentos internacionais que visavam se distanciar de uma subordinação automático às orientações políticas e econômicas ditadas pelas economias centrais do sistema capitalista. Mas as políticas que vinham sendo implantadas no país pelo Partido dos Trabalhadores iriam sofrer uma brusca interrupção.
O “Golpe Parlamentar” que afastou a presidente Dilma Rousseff levou ao poder um conjunto de forças políticas que possuem alguns interesses convergentes. O principal fator que unifica os partidos que compõem a base de sustentação do atual governo é a denominada tese da “governabilidade” defendida pelo “mercado”, razão pela qual todas as ações estão voltadas para a adoção do receituário neoliberal que surgiu no final do século XX. A implantação das denominadas “reformas estruturais” vem sendo realizada de maneira acelerada, e talvez este seja o único fator que ainda é capaz de preservar esta aliança governista. Apesar das fissuras na base de sustentação política do governo, acreditamos que esta aliança dos partidos governistas ainda será mantida, enquanto houver um horizonte de possibilidades quanto a aprovação no Congresso Nacional das mudanças estruturais de nossa economia, com o objetivo de atender aos interesses do mercado financeiro e dos grandes conglomerados econômicos.
A última vitória governista no Congresso Nacional foi a aprovação da “Reforma Trabalhista”, que lançará o mundo do trabalho num cenário de incertezas e instabilidade. As mudanças na legislação trabalhista atende, exclusivamente, aos interesses econômicos do empresariado, e poderá produzir perdas generalizadas para o conjunto da classe trabalhadora. Ao invés de gerar uma ampliação dos postos de trabalho formal, acabará estabelecendo novas categorias de trabalhadores, e muitos estarão desprotegidos de quaisquer garantias legais. Este fator provocará uma divisão insanável entre os trabalhadores, o que dificultará o estabelecimento de uma unidade em torno de lutas e objetivos comuns.
O presidente Michel Temer ainda se mantém no poder pois preserva uma relativa confiança do “mercado”, e tem demonstrado capacidade de implantar as “reformas estruturais” que interessam aos detentores do Poder Econômico. Apesar do enfraquecimento da base governista, e das constantes ameaças de setores do PSDB de se afastarem do governo, Michel Temer tem conseguido se colocar como o melhor avalista das mudanças estruturais da nossa economia. E enquanto o “mercado” não tiver uma melhor alternativa, continuará apoiando por todos os meios a continuidade de seu governo. As acusações criminais que pesam contra o presidente Michel Temer não possuem a menor relevância para os detentores do Poder Econômico, pois para o empresariado o que está em jogo é promover o mais rapidamente possível as “reformas estruturais” que foram interrompidas pelos governos do Partido dos Trabalhadores.
A condenação do ex-presidente Lula se insere dentro desta realidade, e não constitui nenhuma surpresa. A sentença será rediscutida em grau de recurso, e as críticas que estão sendo feitas ao teor da sentença demonstram que o julgamento foi influenciado pelo ambiente politico que estamos vivenciando. Não acredito que este seja um processo criminal típico, e que possa ser considerado um julgamento imparcial. A preocupação para que haja um julgamento célere em segunda instância para tornar Lula inelegível é a clara demonstração de que este julgamento possui um forte componente político, e nem mesmo os julgadores estarão imunes a esta influência de natureza política. Para uma parcela considerável da sociedade brasileira Lula representa mais do que um adversário político, mas um inimigo que precisa ser neutralizado. O grande problema em torno deste julgamento é que uma grande parte da sociedade brasileira considera que Lula representa um símbolo de esperança e de oportunidade por um futuro melhor. Será que a condenação de Lula conseguirá apagar da memória dos brasileiros as conquistas e realizações de seus governos?