Pedagogo, educador, filósofo e militante, o pernambucano Paulo Reglus Neves Freire foi um dos pensadores centrais para o desenvolvimento do conhecimento pedagógico, com uma obra que se tornou referência universal por propor uma ótica completamente diferente da educação tradicional. Um de seus mais famosos livros, “Pedagogia do Oprimido”, está completando 50 anos desde que foi escrito pelo “Patrono da Educação Brasileira”, que, em 1968, se encontrava em um exílio no Chile. Para comentar sobre a importância da obra, falamos com Fernando de Araújo Penna, que é mestre e doutor em Educação pela UFRJ e professor adjunto da Faculdade de Educação da UFF.
Enquanto intelectual e militante, Paulo Freire foi um dos maiores influenciadores do pensamento pedagógico nacional, sendo considerado o patrono da educação brasileira. A que você atribui tal importância?
Paulo Freire ainda é uma das referências mais importantes para o pensamento educacional no Brasil, mas não apenas aqui. Suas obras já foram traduzidas para dezenas de idiomas, e ele é o único autor brasileiro na lista das 100 obras mais utilizadas nas universidades norte-americanas. Ele é considerado internacionalmente um dos precursores das teorias críticas do currículo. Tudo isso se dá pelo fato dele ser um dos primeiros pensadores do campo educacional a criticar a visão da escolarização como transmissão de um conhecimento pronto (algo que ele chamou de educação bancária) e começou a pensar na educação como prática da liberdade.
Entre suas obras, uma das que mais se destacam é a “Pedagogia do oprimido” – que, este ano, está comemorando seu quinquagésimo aniversário. Ele possui uma vasta obra, mas o que garante o sucesso editorial deste livro em especial?
Com o golpe militar de 1964, Paulo Freire começou a ser visto como um pensador perigoso, criador de um método que permitiria alfabetizar pessoas das classes populares e ampliar a sua conscientização política. Por isso, foi obrigado a se exilar, passando por vários países nos quais ajudou a colocar suas propostas em prática. O período fora do Brasil tornou-se uma oportunidade para que ele pudesse sistematizar suas ideias no livro “Pedagogia do Oprimido”. A obra foi escrita no exílio e, graças à censura da ditadura, demorou anos para ser publicada no Brasil. Foi uma das primeiras a oferecer uma reflexão pedagógica sobre a questão da opressão.
Quem é o oprimido e o que faz com que ele se encontre nessa condição?
O oprimido é aquele que sofre a violência dos opressores, num processo que desumaniza ambos. Esse processo faz com que o oprimido, muitas vezes, não busque acabar com as relações de opressão, mas procure ele mesmo tornar-se o opressor – algo que Freire chamou de descobrir-se “hospedeiro do opressor”. A “pedagogia do oprimido” deve ser pensada junto com essas pessoas, enquanto homens “na luta incessante de recuperação da sua humanidade”. Por isso, os educandos não são mais percebidos como receptáculos nos quais o professor vai depositar conteúdos por ele determinados, mas homens e mulheres com um papel ativo na busca da sua liberdade.
Na obra, Paulo propõe um método de alfabetização que se diferenciava ao vigente: o dialético dialógico. Em que consiste essa prática?
Paulo Freire costumava protestar fortemente quando era reconhecido apenas como o criador de um método de alfabetização. Sua obra é muito mais do que apenas um método, e compreende toda uma forma muito original de pensar a relação entre os homens e o mundo. O método dialógico é bastante complexo, mas uma parte importante dele refere-se ao trabalho com palavras geradoras – termos que faziam parte da realidade cotidiana dos educandos e dos quais partia o processo de alfabetização. Isso se dava não mais em classes de alfabetização, mas em círculos de cultura. Essas não eram apenas mudanças terminológicas, mas uma verdadeira revolução na forma de se entender o fenômeno educacional.
Olhando para a educação atual, o que de mais precioso você acha que esse livro pode nos ensinar?
Especialistas na sua obra afirmam que o Brasil nunca aplicou Paulo Freire. Isso quer dizer que, apesar de iniciativas pontuais que constituem experiências riquíssimas, as ideias do autor nunca foram convertidas sistematicamente em políticas públicas. Seu pensamento, que foi considerado perigoso durante a ditadura militar, volta a ser atacado por pessoas que nunca sequer leram seus livros. Isso só confirma o poder de transformação presente na sua obra. O “medo da liberdade”, que se instala tanto nos opressores quanto nos oprimidos, faz com que muitos temam, ainda hoje, a força das suas ideias. Ainda temos muito a aprender com seus livros.