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A Casa da Moeda tem capacidade de cunhar 850 moedas por minuto e 18 milhões de moedas por dia

Foto: Marcelo Feitosa

Na época da colonização do Brasil, a mineração era parte fundamental da economia nacional. Fundada em Salvador em 1694, a Casa da Moeda do Brasil cunhou as primeiras moedas brasileiras para uso da própria colônia e foi criada com o objetivo de atender à demanda da fabricação de moedas no País. Mais de 300 anos depois, a empresa pública, hoje localizada em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, ainda é a responsável pela produção do dinheiro que circula em todo o território nacional.

Conhecer o ambiente onde é produzido todo o dinheiro do Brasil não é tarefa fácil. Para entrar, é necessária uma autorização prévia e até o espaço aéreo, por exemplo, é restrito. O segurança Madero trabalha na empresa há 14 anos e se sente orgulhoso em estar todo os dias na “fábrica de dinheiro”. “Quase que 100% dos agentes de segurança, hoje, são oriundos das Forças Armadas e da Segurança Pública. Eu, por exemplo, sou da Aeronáutica. A empresa é cercada por torre de comando com armamento de uso restrito e o nosso perímetro externo é monitorado por radar. Ele detecta qualquer pessoa que chegue perto da cerca e reporta isso para a central de controle. Temos também o suporte móvel: são vários carros fazendo ronda e qualquer situação atípica, o carro é acionado pela central, que verifica o que está acontecendo”, explica.

Presidida há seis meses por Alexandre Cabral, que era financista do Banco do Nordeste e está fazendo uma espécie de revolução na empresa, o local é enorme e fabrica, além de moedas e cédulas, medalhas e outros produtos de segurança, como passaportes com chips. A Casa da Moeda tem capacidade de cunhar 850 moedas por minuto e 18 milhões de moedas por dia, em prensas da máquina alemã Schuler. O local também pode produzir até 3 bilhões e 200 milhões de cédula por ano. Apesar disso, a empresa não produz aleatoriamente. A fabricação é estabelecida pelo Banco Central, que é o cliente da Casa da Moeda.

As moedas são feitas de discos metálicos que são exportados e, na Casa da Moeda, é feito o processo de cunhagem. As moedas de R$ 0,05 e R$ 0,25 são eletrorrevestidas de cobre, que dão a cor mais avermelhada, as de R$ 0,10 e de R$ 0,25 são eletrorrevestidas de bronze, a de R$ 0,50 é feita de aço inox e a de R$ 1 possui o núcleo de aço inox com um anel eletrorrevestido de bronze. Para o processo, são utilizadas dois tipos de máquinas: as bimetálicas, que cunham moedas com dois metais, como a de R$ 1, e as monometálicas, que produzem todas as demais. Se somar toda a família das moedas e dividir pelo número delas, o preço da produção, em média, é de R$ 0,36.

Aquiles Soares é operador de produção da Casa da Moeda, durante processo de cunhagem das moedas.

Foto: Marcelo Feitosa

Depois que passa por todo o processo de cunhagem, é feita a contagem e embalagem das moedas. A contadora tem regulagem para cada valor e todas são configuradas para a taxa (valor da moeda) que eles querem embalar. Essa contadora condiciona as moedas em sachês, para que, mais tarde, sejam condicionadas em caixas. Depois, todos os sachês são colocados em um “sacolão” que passa em uma balança. As taxas de R$ 0,05 pesam 4g, a de R$ 0,10 pesam entre 3 e 4g e as de R$ 0,25; R$ 0,50 e R$ 1 pesam 7g. “Se o sacolão passar com uma moeda a mais ou a menos, ela é rejeitada nesse processo. A balança é bem precisa para o aceite e rejeite das moedas, se o saco receber o ‘ok’, é etiquetado de forma automática. O rejeite nem sempre é pela quantidade errada, pode ser pela variação do peso do metal”, analisa o operador de produção Aquiles Soares, que trabalha há 13 anos na Casa da Moeda. “Quem visita se encanta, e eu me encanto a cada dia com o trabalho realizado. Abastecer o meio circulante com moeda corrente é um privilégio que poucos têm e muito me alegra participar desse processo”, elogia.

Além das máquinas alemãs, que fazem a cunhagem das moedas, a produção conta com três máquinas de embalar as peças depois de serem cunhadas. O projeto da máquina foi desenvolvido por um moedeiro da própria Casa da Moeda junto com a equipe de engenharia. Segundo o gerente industrial Carlos Roberto Monteiro, antes disso, o processo de embalagem era feito por funcionários e várias pessoas que faziam essa dobra manual se afastavam por lesão por esforço repetitivo. “Criou-se um protótipo que passou a dobrar a caixa para o processo que funcionou em torno de dois a três anos, depois daí, a Casa investiu em tecnologia e incluiu esse protótipo no investimento, onde se gerou três equipamentos de dobra de caixa. A produtividade aumentou, as pessoas ficaram com mais saúde e o processo ficou mais estável. Melhorou em todos os aspectos”, conta Carlos Roberto.

Além de um funcionário da Casa da Moeda ter sido responsável pela criação da máquina de embalar, há vezes em que os técnicos alemães vão à unidade da empresa, cujas máquinas são deles próprios, para verem as soluções dadas pelos moedeiros para alguns problemas técnicos. Os moedeiros são criativos e dão soluções tão práticas e úteis que os próprios técnicos alemães, vendo essas soluções, acrescentam, na próxima fornada de máquinas, aquela peça adicional que foi sugestão do moedeiro.

Jackson Costa, supervisor da cunhagem de moedas

Foto: Marcelo Feitosa

Segundo o supervisor de cunhagem de moeda Jackson Costa, algumas moedas que estão fora de circulação custam caro entre os colecionadores. É o caso da moeda da bandeira do Brasil, feita para os Jogos Olímpicos 2016. Ela é considerada mais valiosa que as demais produzidas para os jogos porque foram feitas poucas unidades: cerca de 12 milhões. Das outras, das 16 modalidades, foram produzidas 20 milhões de cada para o meio circulante. “A moeda vale quanto o dono quiser vender (risos). As de 1998 e 1999 foram feitas de um material que não pega no ímã e só foram produzidas cerca de 3 milhões e 600 mil, então ela é escassa no mercado, por isso os colecionadores pagam cerca de R$ 90 por ela. A primeira moeda comemorativa de Direitos Humanos também está sendo vendida na internet por R$ 150”, aponta Jackson, que conta também uma curiosa diferença entre a fabricação de moedas e medalhas: na primeira, quando o objeto é rodado, as figuras dos dois lados têm que ficar de maneiras opostas (uma em cima, outra embaixo). Quando a medalha é rodada, a figura tem que continuar no mesmo sentido, os dois lados na mesma posição.

Houve um estudo preliminar muito forte em relação à brasilidade, para se desenvolver o layout tanto das cédulas, quanto das moedas. Existe uma correlação entre a família das cédulas – chamadas na Casa da Moeda de denominação – e tudo que está presente nelas tem um simbolismo forte.

O Real é uma das cédulas mais bem trabalhadas do mundo. As denominações de R$ 2 e R$ 5 têm em comum o fato de serem mais baratas, menores e envernizadas. As de R$ 10 e R$ 20 levam a tinta spark, que é aplicada e atraída por magnetismo, e o quilo dela custa R$ 8.500. Ela é verde e tem um aspecto meio holográfico. As de R$ 50 e R$ 100 têm em comum o fato de levarem uma banda holográfica que é mais cara. Por elas terem denominações mais altas, levam os itens de segurança mais altos justamente para o falsário ter mais dificuldade em falsificar.

Em 2016, a Casa da Moeda produziu 1 bilhão e 160 milhões de cédulas para o Banco Central, além de fabricar a cédula de 100 pesos argentinos da Evita Perón. Em comum, as notas possuem o rosto da República e diversos itens de segurança. As cédulas ficam em grandes folhas de papel, que são impressas em offset e depois é colocada a tinta calcográfica, que é sensível aos dedos e ajuda a compreensão dos deficientes visuais.

As máquinas da sessão de cédula trabalham 10 mil folhas por hora, 24h por dia. É na sessão de crítica que é feita a seleção das cédulas que estão boas e ruins. Nessa sessão, as funcionárias analisam se existe algum defeito nas cédulas. Se houver uma falha qualquer, elas marcam em qual coluna é e, na hora de numerar, a máquina descaracteriza a nota. As funcionárias (neste setor curiosamente só existem mulheres empregadas) pegam as resmas, normalmente 500 folhas, e fazem o trabalho de seleção, por meio de uma crítica. Pode ser folha a folha ou por um sistema de leque com todas as folhas juntas. “Depois disso, a folha vem e passa por um sistema que faz a inspeção. Se for aprovada, ela é numerada. Se não, ela é jogada para a última gaveta de coleta. Além das meninas da crítica, dos controles das máquinas, etc., existe esse último controle, que é extremamente crítico e rigoroso. Se identificar um probleminha, a folha passa, mas não é enumerada e não vira célula”, afirma o superintendente do departamento de cédula Robson Paes Ferreira.

Todo o material produzido é colocado em um cofre de alta segurança que é custodiado pelo Banco Central e fica na Casa da Moeda. O cofre possui portas programadas para abrir e fechar e, durante esse tempo, ninguém consegue entrar. Apesar dele estar no prédio da empresa, é uma caixa toda de concreto à parte. Ou seja, se acontecer algo com o lugar, ele fica intacto.

O departamento onde o cofre fica localizado possui uma segurança de subsolo, ou seja, abaixo do piso dele existe uma segurança que não permite que ele seja invadido. Além disso, também existe uma segurança própria para as laterais e o teto. Quando o dinheiro é levado para o Banco Central, localizado no Centro do Rio de Janeiro, é feita toda uma operação sigilosa. A partir daí, o Banco Central entrega para o Banco do Brasil, que distribui nas 27 unidades da Federação.

Medalhas Rio 2016
As medalhas dos jogos Olímpicos e Paralímpicos 2016 também foram produzidas na Casa da Moeda. A empresa tem tradição de fazer medalhas comemorativas, de pódio e comendas e, por isso, o lugar foi procurado pelo Comitê Olímpico. Foram feitas cerca de 6 mil peças somando olímpicas e paralímpicas em um processo que durou dois anos, entre pré-produção e produção. Além disso, também foram fabricadas cerca de 60 mil medalhas olímpicas e 20 mil paralímpicas de participação.  “Os desenhos vieram prontos do Comitê e nós fomos ajustando. No meio da discussão de como seria, surgiu a ideia de trabalharmos com o metal reciclado, com o ouro sem mercúrio. Queríamos inovar, mas tivemos que ter cuidado com a tradição, não podíamos avançar com o design a ponto de ofender ou melindrar os jogos”, explica o gerente de medalharia Victor Berbert.

Os artistas da empresa modelaram manualmente as medalhas. Foram colocados na arte elementos referentes da mulher brasileira, e o lado que possui a deusa Nike foi esculpido por cerca de quatro pessoas. “Pegar uma estátua grega clássica e colocar curvas, que é o que a mulher brasileira tem, não foi fácil. Do outro lado da medalha foi feito um trabalho na arte digital e a ideia era chegarmos numa coroa de louros estilizada, porque a coroa foi a primeira premiação dos jogos, inclusive na Era Moderna, quando ainda não existia a medalha”, afirma.  

Nas medalhas paralímpicas foram colocadas esferas de inox que fazem com que os atletas que possuem deficiência visual, ao chacoalharem, saibam a cor da medalha que recebeu. Isso porque foram colocadas quantidades variadas: a de ouro possui mais esferas, a de bronze menos e a de prata tem uma quantidade intermediária. “Discutimos vários modelos de inovação. No meio disso alguém perguntou se era possível aumentar a experiência do atleta, queríamos que o atleta paralímpico conseguisse comemorar diferente. ‘Se ele pudesse chacoalhar a medalha?’, começamos um brainstorm e chegamos nesse conceito. Fizemos diversos testes, deu certo e esse modelo foi o que ficou”, finaliza. 

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