Em busca de equilíbrio

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Homens em busca de equilíbrio

Lucas Benevides

Não é a toa que três dos homens que ilustram essa reportagem usam do equilíbrio interno para chegar ao nível máximo de relaxamento: um conheceu e se apaixonou pelo universo circense, o outro encontrou uma prática de meditação bastante particular para se conectar consigo mesmo e o terceiro busca nas posturas de yoga a plenitude da vida.

O produtor cultural Gregory Combat, de 28 anos (cuja foto estampa a capa desta edição de OFLU Revista), sempre foi interessado pelo circo, principalmente pela vertente artística que o compõe. Por volta de 2013, estava em um período em que escrevia muito sobre o assunto – Gregory é vocalista e um dos compositores da banda Overdrive Saravá – e acabou conhecendo um professor palhaço que o levou a esse mergulho mais profundo nas aulas de palhaçaria.

“Surgiu quase que uma compulsão para eu dar vazão a essa vontade artística. As aulas de palhaçaria são densas: o palhaço não é um ser de alegria, é de sombras, na verdade. Acabou se tornando meu lado B, que incorporo no meu tempo livre. Há dois anos, conheci a escola de circo do Sesc, onde faço aulas duas vezes por semana. Lá a prática é mais técnica. O simbólico tornou-se um norte para explorar a técnica. Hoje, esse olhar voltou para a prática de uma atividade física mesmo, um lugar onde eu deixo a parte mais pesada do meu dia e de onde saio mais leve”, avalia Gregory, que também é diretor do Centro Cultural Paschoal Carlos Magno (CCPCM), no Campo de São Bento, em Icaraí.

Como as aulas de circo tomaram uma dimensão de condicionamento e favorecem o equilíbrio entre o corpo e a mente, era inevitável, para alguém que curte atividade física, tornar-se praticante. No espaço, Gregory faz alongamento, trabalha a hipertrofia (flexão, abdominal, barra, corrida) e a força aplicada nos aparelhos, cujos desenhos exigem simetria corporal. Alguns dos aparelhos são tecido, lira e trapézio.

“É uma preparação física de atleta, é superpuxado, principalmente quanto à consciência corporal. É uma outra janela que se abriu e foi ganhando força e se tornando importante nos meus dias. Nos meus 90 quilos, não imaginei que pudesse fazer o que eu faço lá. Todo mundo faz tudo nas aulas e cada um vai identificando suas vocações”, explica o produtor cultural, que atua muito nas aulas como portô – que faz portagem, ou seja, sobe no aparelho para valorizar o movimento de alguém em suspensão –, além de fazer solo (estrela, salto, rondada) e malabarismo.

Para a coordenadora e professora do Dharma Bh?mi Cristiane Garcia, os homens, em sua maioria, são muito racionais, o que torna ainda mais difícil abstrair do externo e gera ansiedade, desequilíbrio, angústia, medos.

“Muitos estão sempre com a mente voltada para o lado de fora e não conseguem com facilidade aquietá-la, mesmo para aqueles que praticam esporte e/ou atividade física. Nosso corpo está no hoje, mas nossa mente está sempre no passado e no futuro, e é isso que precisamos trabalhar, pois eles não estão separados. As pessoas procuram a felicidade fora, nos objetos, nas viagens... O autoconhecimento e o equilíbrio entre corpo e mente ajudam a acessar a felicidade e a paz que estão dentro de nós”, destaca Cristiane, formada pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Yoga (IEPY), certificada pela Escola de Kaivalyadhama (Índia).

Para praticar a aceitação de seu próprio ofício, o escultor Rodrigo Saramago, de 50 anos, teve que olhar para dentro e buscar as respostas de que precisava. Há duas décadas conheceu a meditação transcendental, através de grupos dos quais sua mãe participava. Anos mais tarde, em sua própria busca interna pelo equilíbrio e autoconhecimento, Rodrigo desenvolveu uma prática bastante particular, um tipo de meditação em movimento, em ação contínua.

“Eu sinto uma conexão com a natureza. Por exemplo, quando dou um mergulho no mar, me sinto beijado pelo ser superior; quando deito na pedra para relaxar, sinto essa troca de energia. Busco esse contato diariamente para me sentir relaxado. Gosto de sentir os grãos de areia na sola dos meus pés, a água do mar limpando meu cabelo. É algo bem particular na minha vida, uma meditação ativa. Gosto da sensação do cansaço, não é uma prática convencional. Tive contato com outras formas de relaxamento mental, como a yoga, mas não me identifiquei muito. Da forma que faço, me sinto muito bem”, argumenta o escultor.

Um dos trabalhos mais icônicos de Rodrigo é a série “Equilibristas”, composta por esculturas em bronze. Para o artista, esse estado contínuo proporcionado pelo exercício de viver o momento presente, o aqui e o agora, é essencial para que realize da melhor forma suas criações.

“Meditação quer dizer eu me ditar, eu pensar o que quero fazer, ditando o meu dia realmente, colocando tudo em ordem, as metas, as prioridades. Não é uma coisa mágica, é real e bem prático. Tem a ver com vir para o agora. Se eu estou cortando tomate, eu estou cortando tomate e pronto. Gosto de práticas de curta duração também. Mais ou menos 40 minutos de alguma atividade e 20 de relaxamento. É um estilo de vida. Vem associado com várias coisas: minha profissão, minha religião que é a mãe natureza, à energia entre as pessoas. Vários fatores foram me levando para um caminho simples de vida. Para mim, o grande significado da vida está nesses pequenos momentos de prazer”, conta Rodrigo, morador de Itacoatiara, onde também está seu ateliê, no qual trabalha atualmente a série de esculturas “Seres Gentis”.

Acumulando um interesse quase ancestral pelo que é originado do oriente, o designer e artista plástico Cesar Coelho Gomes, 78, pratica yoga há 15 anos, mas, antes, fez aikido, tai chi chuan e kung fu. Além de se sentir orientado pelo confucionismo, assim como o taoismo – ambos acreditam no Tao, no caminho superior que os indivíduos buscam, no equilíbrio entre a vida mundana e a espiritual, e entre o homem e a natureza.

“A yoga propõe um modo de vida, não é só uma prática. Acredito que seja modificadora. Frequento também as reuniões de Vidya Mandir, no Centro de Estudos de Vedanta e Sânscrito da Gloria Arieira. Ela passou muito tempo na Índia, traduz textos indianos diretamente, e comenta verso a verso, por exemplo, da epopeia Bhagavad-gita, com diálogos entre Krishna e o guerreiro Arjuna. É fascinante. Parecem pessoas da nossa época falando sobre o medo, a inveja, o orgulho”, pontua Cesar.

Sobre as posturas de yoga, ele prefere fazê-las ao acordar e diariamente. Os resultados são sentidos na pele, no corpo e na alma: Cesar conta que a filosofia oriental é o autoconhecimento em profundidade e como um todo.

“E, na verdade, o autoconhecimento não é você descobrir algo de fora, é você descobrir a si mesmo e constatar que você já é um ser pleno e livre de limitações. No momento em que você aceita isso, você se livra do sofrimento, que te leva ao apego e à contenção em vários aspectos: tempo, espaço... A maioria das coisas que temos não são necessárias. A gente vive querendo preencher um vazio que não existe. É bom lembrar que a gente se basta. Não existe mais distância entre você e a divindade, ela está dentro de você. Sócrates fazia um passeio ao mercado todos os dias e ele dizia que só estava lá para se lembrar de tudo o que ele não precisava”, pondera.

Lazer primordial  - De acordo com o antropólogo Gabriel Neiva, doutorando em Comunicação pela Uerj e professor da Facha e da PUC Rio, a humanidade está passando por uma transição do universo industrial para o pós-industrial. O Brasil nunca recebeu uma industrialização completa, como a Inglaterra, Estados Unidos, ou mesmo a antiga União Soviética, hoje Rússia. Essa relação com o trabalho fez com que abrisse tempo para o lazer. O proletário passa a ter carga horária de trabalho e, com isso, passa a ter tempo livre.
“Cria-se, então, a ideia de lazer, no final do século 19 e início do 20, e começam a ser construídos espaços como cinemas, parques de diversões e de prática de esportes. No Brasil não foi na mesma rapidez como em metrópoles como Londres e São Petersburgo. Por aqui, houve uma relação com tempo livre e lazer talvez a partir dos anos 30 e 40, e foi com o futebol que começou a ganhar dimensão”, contextualiza.

O antropólogo acredita ser necessário manter a relação de corpo saudável e mente saudável, que existe desde os gregos. 

“Estamos em uma sociedade com uma indústria alimentícia venenosa, em um momento em que as pessoas vivem muito rapidamente e sempre com estresse. Não por acaso é cada vez mais crescente o número de pessoas que buscam terapias alternativas, como yoga”, assume Gabriel, lembrando que: “Nesse universo de tecnologia, onde as pessoas não têm muito contato pessoal, é ainda mais importante e saudável que se mantenha o contato com os amigos. Vejo uma parte dessa geração mais ligada ao dia, que sai para bares, faz yoga, piquenique. Cresce esse movimento graças à vontade de busca pela sanidade da saúde”.

O médico e bombeiro Rafael Sueth, 35, não abre mão de encontrar os amigos para beber bons drinques, pelo menos duas vezes por semana, geralmente combinado em cima da hora em algum barzinho na Rua Nóbrega, em Icaraí, ou na Região Oceânica.

“Nunca bebo sozinho (risos). A gente se diverte muito! É cada vez mais difícil arrumar tempo para nos divertir, por isso que esses encontros se tornam ainda mais importantes e essenciais. É o momento de extravasar. Já me acostumei com a rotina estressante do trabalho e faço de tudo para que ela não interfira na minha vida pessoal”, ressalta Rafael, destacando que o momento mais difícil foi quando tinha acabado de se formar e, na mesma época, começou uma especialização em cirurgia geral e ainda entrou para o Corpo de Bombeiros: trabalhava de segunda a segunda.

Corpo em movimento - O professor de Educação Física Thiago Martins é um apaixonado por atividades que trabalham todos os músculos do corpo, e o que realmente o deixa relaxado são os treinos de crossfit, de cinco a seis vezes por semana, atividade que pratica há pouco mais de um ano. 

“Relutei, mas depois de conhecer se tornou amor à primeira vista. Quando não vou treinar, bate uma sensação de vazio, de que ficou faltando alguma coisa, além de me deixar menos focado no trabalho e nos afazeres diários. O que me fez ficar apaixonado pelo crossfit é a constante busca pela melhora, seja ela no condicionamento cardiorrespiratório ou na execução dos movimentos, a constante competição consigo mesmo. O fato de você ter sempre metas, objetivos, o mantém sempre estimulado e focado nos treinos”, conta Thiago, que dá aulas de bike indoor, por isso, também pedala, além de jogar futebol com os amigos uma vez na semana. 

A cada dia que passa, a humanidade se aproxima mais e mais do olhar antropológico eurocêntrico criado no final do século 19, que a dividia em “sociedade primitiva” e “sociedade civilizada”. Ironicamente, ninguém imaginaria que o homem contemporâneo iria se aproximar tanto da definição de “sociedade primitiva”, segundo o antropólogo Sady Bianchin, professor doutor da UFF e da Facha.

“Com os avanços da tecnologia, uma parcela da população está se aproximando da ‘sociedade primitiva’, que não separa lazer do trabalho e da religião. É o que acontece hoje, a dicotomia dos extremos. Quem imaginaria que aquele olhar dos evolucionistas, uma visão etnocêntrica dos ditos brancos civilizados, poderia voltar de outra forma revisitado naqueles valores perversos de uma sociedade autoritária e patriarcal. Na ‘teoria do bom selvagem’, de J.J.Rosseau, por exemplo, onde falavam de natureza, os parques deles, na época, eram a floresta. Para a gente, hoje, é o Campo de São Bento, o Parque Nacional da Tijuca. Precisamos, inclusive, tornar mais saudável a nossa relação com a natureza, enquanto humanidade, para, assim, sermos bons em sermos ‘primitivos’”, avalia o professor doutor.

Um dos entrevistados que leva à risca o cuidado e o respeito com a natureza é o modelo Taylor Romão, 21, que faz trilhas para relaxar.

“A trilha me causa uma mansidão, tranquilidade por conta do contato com a natureza, que me faz enxergá-la exatamente como é: perfeita. Quando estou na trilha, costumo me conectar com tudo o que me cerca: plantas, aves, insetos, rios, a floresta em si, aquele verde todo em volta, o marrom da terra. Isso me faz esquecer qualquer problema. Na trilha descarrego toda a energia ruim, ansiedade e tristeza. Por isso me sinto tão relaxado”, observa. 

Por ser modelo, Taylor pratica atividades físicas diariamente para manter a forma, mas também gosta de frequentar praias de Niterói e do Rio, além de viajar para Angra dos Reis, Arraial do Cabo e Búzios, em busca de relaxamento. Também gosta de videogame. 

“Vivemos em mundo muito caótico, é muita pressão e estresse matinal na maioria das vezes. Se não tivermos esses momentos de pausa para desconectar de tudo, não conseguiremos cumprir nossas metas diárias. Para mim, é importante e necessário”, enfatiza.
 

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