Papéis Invertidos

Por

Aos 81 anos, Hellenice Lopes passa a semana na casa da filha, Maria Cristina, onde é tratada com atenção redobrada

Foto: Lucas Benevides

Nossos pais são nosso primeiro referencial de apoio e cuidado e, durante a maior parte da nossa vida, estão ao nosso lado para o que der e vier. Porém, com a chegada da idade, aqueles que eram nosso porto seguro começam a precisar de um bote salva-vidas. Como lidar com essa inversão de papéis, quando os filhos precisam ter responsabilidades e cuidados com os pais?

Há alguns anos, Maria Cristina de Oliveira, 48 anos, teve que começar a se preocupar um pouco mais com sua mãe, Hellenice Lopes, de 81 anos. Elas montaram um esquema para que as duas ficassem satisfeitas: dona Hellenice em segurança e Cristina tranquila.

“Durante a semana minha mãe fica na minha casa e no fim de semana ela vai para a casa dela. Lá é seu cantinho, onde ela tem suas coisas e a sua individualidade. Às vezes ela vai enrolando para ficar o maior tempo possível na casa dela, mas a gente acerta tudo na base da conversa, nada incisivo”, conta Cristina, que acredita que as tarefas do dia a dia da casa ajudam a sua mãe a se sentir mais ativa e independente.

“Tenho um filho que está na faculdade, então sempre precisa ter almoço pronto, de vez em quando precisa comprar algumas coisas às pressas e ela me ajuda nisso. Com isso, mamãe se sente útil dentro da nossa casa”, explica a filha superprotetora, que diz que não confunde o que a mãe faz com tarefas domésticas. “Muitos filhos usam os pais idosos como empregados, não é isso que faço. Ela faz porque se sente à vontade e gosta de ajudar seu neto, pois sempre me ajudou a cuidar dele. Hoje não seria diferente”, esclarece.

Cristina conta, ainda, que não é só a mãe dela que sofre as consequências dessa inversão de papel.

“A situação também é difícil para os filhos, mas, se eles foram criados com muito amor pelos pais, essa troca vai ser mais natural. Temos que usar muito da psicologia, da paciência, do amor e do carinho para passar por isso, pois nunca estamos preparados, mas acredito que, com amor, tudo fica mais fácil”, resume.

O caso de Naila Miranda, de 80 anos, foi diferente. A escolha de morar com os filhos partiu dela, há 10 anos.

“Quando meu avô morreu, minha avó começou a se sentir muito sozinha. Ela morava em São Gonçalo, nós em Niterói e meu tio em Cabo Frio. Minha mãe e meu tio decidiram que minha avó passaria um tempo na casa de um e de outro, dividindo, assim, as responsabilidades e não deixando ela morar em uma cidade sozinha”, explica Lorena Miranda, 23, neta de Naila.

A advogada conta, ainda, que a comunicação melhorou entre as duas, porém, alguns problemas apareceram na relação.

“Com minha avó morando aqui, a nossa relação melhorou muito, pois, antes, a gente tinha dificuldade de falar com ela até no telefone, porque ela escuta muito mal e tem dificuldade de ligar pra gente. Mesmo a gente estando mais próxima, o que é ótimo, nós temos alguns problemas porque ela sempre pede pra gente fazer alguma coisa, tipo colocar a linha na agulha. Acontece que, aqui em casa, todo mundo trabalha o dia todo e eu tenho que estudar. Às vezes ela não entende”, desabafa Lorena, ressaltando que sempre tenta incluir a avó nas suas atividades. “Se eu tenho que estudar, chamo ela pra assistir TV no meu quarto, se minha mãe tem que sair, chama ela pra ir. A gente sempre gosta de ficar próxima dela e aproveitar o tempo que ela passa com a gente. Sempre peço a opinião dela sobre minha roupa quando vou sair e ela se sente superútil e feliz. Tentamos incluir ela em tudo”, explica.

A psicóloga de família Maria Eduarda Marques explica em que momento é necessária a intervenção na vida dos pais e a forma como isso deve ser feito para tornar a mudança mais fácil para ambos os lados.

“Quando o filho identifica que não é seguro que o idoso more sozinho, é importante ter atitudes que minimizem os riscos e garantam sua proteção. Quando o filho considera que a melhor opção é que o genitor vá residir com ele, é preciso abordar essa questão com cuidado. Se esta decisão for imposta ao idoso, isso pode fazer com que ele sinta que perdeu a autonomia e a independência. Além disso, é importante ouvir o que o idoso pensa e levar em consideração seus desejos e opiniões para se chegar a uma decisão que proporcione uma melhor qualidade de vida para ele”, explica a psicóloga, que adverte que problemas podem ocorrer nessa fase. “As mudanças que acontecem na rotina da casa e do filho cuidador podem gerar problemas: demandas econômicas, físicas, afetivas e sociais que interferem nas relações entre as gerações. Sendo assim, este momento pode ser delicado na vida da família”, admite.

Maria Eduarda esclarece, ainda, que a dificuldade dessa relação não é somente por parte do idoso, mas também dos filhos.

“A pessoa da família que se dispõe a ficar responsável pelos cuidados do idoso pode se sentir sobrecarregada. Sendo assim, o ideal é que ela possa contar com o apoio de outros familiares. Podemos observar um impacto emocional nos filhos, pois estes se deparam com a perda da saúde e da autonomia dos pais e com a aproximação da morte”, conclui a doutora. 

  • Tags: