Que prato é esse?

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A médica Priscilla Sarlos deixou de lado o tradicional arroz e feijão diário

Foto: Evelen Gouvêa

A relação do brasileiro com a alimentação mudou. Não queremos considerar com isso que o Brasil é “uma coisa só”, com uma cultura homogênea e singular. Considerando nosso contexto temporal, seria negligente pensar assim. Mas, através desse contexto, nos deparamos com a modernidade e, com ela, muita coisa mudou. Mudanças nos hábitos alimentares relacionadas à quantidade e frequência de comida ingerida no decorrer do dia; exclusão de certos ingredientes considerados tradicionais no cardápio; e até os motivos pelos quais o brasileiro se alimenta, são só algumas das situações que podem tanto ser observadas no dia a dia quanto através de números oficiais, como os divulgados em maio do ano passado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A instituição entrevistou 3 mil brasileiros, de 12 estados, entre 27 de setembro e 10 de outubro de 2017, com o objetivo de identificar as transformações, confirmações e contradições no consumo alimentar do País. Entre os vários dados apresentados, podemos notar que, em relação à última pesquisa, feita em 2010, houve um aumento de 12% no número de brasileiros que não dão preferência ao uso de alimentos semiprontos, além do aumento considerável no número de pessoas informadas sobre a importância dos alimentos para a saúde. 

Toda essa informação – garantida pela internet, televisão e outros meios –, inevitavelmente impacta na cultura alimentar da sociedade brasileira, que, segundo a antropóloga Shirley Torquato, passou por um processo de reformulação de uma nova concepção de saudabilidade, ou seja, o que antes era considerado saudável, hoje já pode não ser. 

“O impacto na alimentação é visível em diversas áreas: na formulação de políticas públicas; no ativismo político – motivado por questões relacionadas à sustentabilidade ambiental e riscos alimentares –; no fenômeno da “gourmetização” e ressignificação de pratos tidos como “tradicionais”; na indústria cultural – através da multiplicação de livros, programas de TV e filmes sobre culinária e gastronomia – e, finalmente, na Academia, através das pesquisas e debates em diferentes campos científicos, como é o caso das Ciências Sociais”, explica a cientista, dizendo também que a alimentação anda sempre no limiar entre a natureza e a cultura, pelo simples fato de, apesar de nos alimentarmos para nos mantermos vivos, não nos alimentamos de forma aleatória. 

“Estamos sempre vinculados aos sistemas classificatórios, que definem o que é ou não comestível, o que pode ser comido durante determinados turnos do dia ou até mesmo em quais dias da semana. Churrasco, por exemplo, é um prato mais apreciado nos fins de semana, pois remete a uma certa informalidade, incompatível com os dias rotineiros. Muito além de uma necessidade biológica, a alimentação forma um sistema de hábitos, ritos, costumes, crenças e estilos de vida”, esclarece.

Em alinhamento com a explicação de Shirley, a pesquisa da Fiesp mostra que 39% das pessoas entrevistadas (a maioria) têm buscado uma alimentação saudável como parte dos seus hábitos diários, estendendo isso para um nível de estilo de vida, como é o caso da estudante de psicologia Marcelle Maia, de 20 anos, que, por tradição, desde pequena, comia carne, mas sem atribuir muita importância, até que algumas circunstâncias foram motivando a exclusão total do ingrediente no cardápio.  

A filha vegana acabou influenciando Claudia Maia a aderir à nova forma de se alimentar

Foto: Lucas Benevides

“Por influência da minha mãe, sempre fui de comer muitas verduras e legumes. Porém, com uns 14/15 anos, desenvolvi um distúrbio alimentar. A partir daí, a situação ficou muito difícil, porque passei a não gostar mais de comer, doía – como é caracterizado um distúrbio alimentar mesmo. No dia a dia, não comia nada além de verduras, legumes e carne, até o momento que eu entrei em contato com o vegetarianismo. De um dia para o outro, parei com todas as carnes”, lembra Marcelle, que, logo após, descobriu que sofria de intolerância a lactose. 

Com a descoberta, começou a desenvolver a vontade de adotar o veganismo como estilo de vida, mas encontrou dificuldades no início. Começou a cozinhar mais, se preocupando em escolher melhor os alimentos, até que mudou completamente sua concepção a respeito do papel da alimentação na sua vida.

“Entendi que o que me mantém acordada, com energia, é o que eu como”, relata. 

A mudança foi tão arrebatadora, que acabou contagiando sua mãe, Claudia Maia, que adotou o veganismo motivada pelas conversas que teve com Marcelle a respeito dos aspectos políticos da indústria alimentícia.

A nutricionista Emilia França confirma, com base em seu dia a dia no consultório, que a busca por uma alimentação mais saudável aumentou muito.
 
“Alguns pacientes buscam uma alimentação mais natural, com comida de verdade, sem alimentos ultraprocessados. Um caminho novo e bastante promissor, fazendo valer a máxima de Hipócrates: faça do seu alimento o seu medicamento”, reflete a nutricionista. 

Emilia também informa que a agricultura brasileira é voltada principalmente para a exportação de grãos como a soja e o milho. Porém, de acordo com a pesquisa da Fiesp, os queridinhos do brasileiro continuam sendo o arroz e o feijão, combinação que agrada 30% das 3 mil pessoas entrevistadas. Contudo, com a diversificação no cardápio, motivada, por exemplo, pela preocupação com o consumo excessivo de carboidratos, pessoas deixam a combinação de lado para dar lugar a outros ingredientes menos convencionais.

Um caso que ilustra bem essa situação é o da médica Priscilla Sarlos, de 34 anos, que, com o decorrer do tempo, viu que os dois ingredientes não a agradavam tanto assim.

“Quando eu era criança, tinha o hábito de jantar, em que eu comia sempre um arroz com feijão, salada, legumes. Quando cheguei na adolescência, e ainda não tinha acesso a coisas diferenciadas, já troquei o jantar por lanche. À medida que fui envelhecendo, passei a ser dona da minha alimentação. Então, voltei a jantar, mas totalmente diferente do da minha infância. Hoje em dia, por exemplo, tanto no almoço quanto na janta, o arroz e o feijão já não fazem mais parte da minha rotina de segunda a sexta. No dia a dia, troco o feijão por carboidratos de índice glicêmico mais alto, que são o aipim, batata-doce, os próprios legumes... Meu prato é metade composto de salada, um quarto de legume e o outro quarto de alguma proteína, seja carne ou frango”, detalha Priscilla. 

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