Sexo se discute

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Namorados, Pedro e Flavia acham importante discutir o assunto, para conscientizar os jovens sobre todas as responsabilidades que envolvem o ato. Para eles, alguns tabus precisam ser superados

Foto: Evelen Golvêa

No início dos anos 2000, a cantora Rita Lee entoava em sua música “Amor e sexo” uma comparação entre o sentimento e a ação: “Amor é para sempre, sexo também, sexo é do bom, amor é do bem”. Na letra, Rita explora as nuances dos dois, antagônicos, às vezes, ou complementares. A canção foi lançada 40 anos após a revolução sexual, uma onda ideológica que mudou a relação das pessoas com o ato, e trouxe questões como a nudez, o aborto, a pílula anticoncepcional e as relações homoafetivas. Apesar da composição ter sido lançada no início do século XXI, Rita quebrou o tabu por ser uma mulher falando abertamente de sexo, e o separando do “amor romântico”. 

Se o sexo é um reflexo dos avanços da sociedade, o abismo entre as vontades de homens e mulheres reforça o estereótipo de homem “caçador” e donzela “frágil”. A pesquisa Mosaico 2.0, feita pela Universidade de São Paulo (USP) e divulgada recentemente, indica que o sexo para o público masculino é tão importante como comer, enquanto para elas, a qualidade do sono vem em primeiro lugar. Realizado em sete capitais brasileiras, com cerca de 18 mil pessoas, o questionário procurou traçar o perfil sexual dos brasileiros. 

A frequência do sexo é outro ponto em que homens e mulheres discordam. Enquanto eles preferem transar oito vezes na semana, elas dizem que manter uma média de três relações sexuais no período é o ideal. A sexóloga Lilian Aldeia justifica as disparidades e diferenças de gênero em relação ao sexo. Ela afirma que com a acumulação de tarefas e o próprio corpo feminino fazem com que a sexualidade não seja uma prioridade.

“Fisiologicamente falando, a libido masculina é maior que a feminina em contagem hormonal. A produção de espermatozoides é diária, enquanto o óvulo é uma vez por mês. No período fértil geralmente é onde a libido feminina aumenta, mas há casos, onde mulheres com disfunções sexuais (vaginismo, dispareunia), causam falta de libido. Agora, em outras palavras, o cérebro feminino possui um espaço maior para assuntos sociais e familiares, não que o homem não tenha, mas ele consegue administrar melhor o seu tempo para suas necessidades. A mulher costuma fazer mil coisas e se deixar por último plano, o sexo é uma das coisas que ela não prioriza ou deixa para trás”, explica a sexóloga.  

Maurício e Amanda, ele advogado e ela modelo. Para os dois, casados há um ano e meio, o sexo é o principal na vida de um casal. “É na relação sexual que se estabelece um momento só dos dois”, diz ele

Foto: Lucas Benevides

Para o psicólogo Alcindo Miguel, a ideia de que o apetite sexual das mulheres é menor que o do homem é um mito.
“O motivo das diferenças, no meu entendimento, é cultural, no sentido imediato de que não seria de bom tom para um rapaz afirmar que tem pouco desejo, ou para uma moça dizer que o tem muito forte. A sexualidade e o desejo é comum à humanidade. As diferenças de intensidade são individuais e relativas às diferenças entre a forma e a natureza mesma do vínculo que foi estabelecido, e que são específicas a cada casal no entrelaçamento e emaranhamento de suas referências pessoais, em sua maior parte inconscientes, que buscam realização e satisfação”, afirma.

A consultora de beleza Lilian Lima é casada há 16 anos com o gerente de produção Leandro Lima. Lilian conta que o preconceito ainda é um dos principais fatores que censura a mulher na hora H. 

“As mulheres gostam de sexo tanto quanto os homens, o que pesa é o machismo arraigado na nossa sociedade. Mulheres querem transar todo dia, homens também. Assim como há homens que querem só uma vez na semana, e mulheres também. O machismo só impede elas de serem mais felizes. Às vezes, a mulher tem uma vontade de inovar na cama, uma tara, mas não a realiza com medo do julgamento masculino.”

Já Leandro pensa que o desejo sexual de homens e mulheres são divergentes.

“Os homens estão sempre mais dispostos a fazer sexo, já a mulher considera outros fatores mais importantes, e quando algo não vai bem, elas não conseguem se entregar ao sexo fazendo com que a frequência diminua.”

A modelo Amanda Gualda e o advogado Maurício Gualda são casados há um ano e meio e contam que o sexo é o principal na vida de um casal.

“O sexo é um símbolo de relacionamento. Todo mundo tem uma vida pública, amigos, sai para festas com outras pessoas, mas é na relação sexual que se estabelece o momento só dos dois”, diz Maurício. 

Outro dado importante mostrado foi o alto número de infidelidade entre eles (50%) em comparação com a porcentagem feminina (30%). A diferença entre amor e sexo também mostrou que cerca de 70% dos homens separam os dois, comparado a 57% das mulheres. Para a estudante Flávia Pestana, a principal questão do sexo na sociedade é a diferença cultural entre homens e mulheres.

“A sexualidade dos homens é estimulada desde muito novos. Os meninos crescem tratando o assunto de maneira muito mais natural e liberal do que as meninas, então criou-se essa concepção de que os homens dão muito mais importância ao sexo do que as mulheres, quando na verdade é uma característica do indivíduo, não necessariamente do gênero”, acredita. 

Flávia namora o estudante de Geofísica Pedro Albuquerque. Os dois se conheceram em uma festa junina graças a um convite para dançar. Em 2016 completam três anos de namoro. Para Pedro, debater sobre o tema é fundamental para que o indivíduo conheça o próprio corpo.

“Devido ao avanço tecnológico, da mídia e das redes sociais, nós estamos apenas vendo mais abertamente a sexualização que sempre existiu. É importante discutir esse assunto para conscientizar, principalmente os jovens, sobre todas as responsabilidades envolvidas no ato”, defende.

Lilian Lima pensa que a sociedade ainda precisa enfrentar alguns tabus e entender melhor o significado do sexo. 

“Muitos tabus precisam ser superados. A mulher precisa ser protagonista na relação sexual. Tem mulheres que se servem aos homens, encaram o sexo como se fosse uma obrigação. Por isso, o feminismo é tão importante para conscientizar as mulheres de que elas têm direitos, sobretudo, na cama”, conclui. 

À procura

Em 1999, a atriz Sarah Jessica Parker protagonizou a série “Sex and the city”, a história de uma mulher solteira em busca de homens em Nova York. Junto com outras três amigas: Samantha, Miranda e Charlotte, Carrie Bradshaw (personagem de Sarah) mergulhava nas diferentes personalidades e questões sobre o sexo e também sobre a emancipação sexual feminina. Se antes a principal forma de buscar um amor (ou uma transa) era por meio de festas e encontros casuais, hoje os aplicativos de celular estão ganhando mais espaço.

A estudante de Produção Cultural Paula Foit é usuária assídua desses apps, e conta que a possibilidade de buscar homens, de certa forma, empodera as mulheres.

“Estar num aplicativo de encontros é uma forma sutil de se empoderar, porque a mulher pode assumir o controle nessa relação de encontrar alguém. Não passa por aquela situação ridícula de só homem chamar”, conta. 

A série de TV foi importante, assim como a canção de Rita Lee e outros fatores, para trazer a mulher para o papel de pessoa sexual ativa. O sexo feminino, durante a maior parte da história foi tido como um papel “secundário”, o que Simone de Beauvoir chamou de “segundo sexo”. Enquanto o homem devia ter orgulho de ter nascido com seu órgão, o sexo da mulher deveria ser sempre oculto. A luta pelo voto e direitos iguais fez com que elas pudessem expressar seus objetivos e desejos.

“Quando você é bem resolvida, puxa assunto, te tiram como coisas que não necessariamente são verdade. O preconceito rola até mesmo dentro do app, porque quando eu mando o primeiro ‘oi’, e eu posto as minhas fotos, eles já vêm falando muita bobagem que eu sou obrigada a cortar. Eu tô ali pra curtir, mas tem uns caras que apelam demais”, conta. 

O escritor inglês Oscar Wilde é autor da frase: “Tudo no mundo é sobre sexo, menos sexo, sexo é sobre poder”. Ele mexe com a psique humana, e gerou pesquisas importantes como as teorias de Sigmund Freud na psicanálise e “A História da Sexualidade” do francês Michel Foucault.

“O sexo é importante e sempre será. Você tendo uma vida sexual mais ativa, esclarecedora, liberta de traumas passados e conversando sempre que possível grande parte dos problemas irá desaparecer. Não haverá necessidade de confusões, brigas, traições, abusos psicológicos, físicos e gerais. Qualquer coisa que terá de ser feita será conversado e discutido com muita naturalidade e menos stress. A mente parece que fica mais coerente, mais apaziguada. É incrível! O sexo é importante para que o casal se permita, se descubra, mesmo com anos e anos de relação, mas eles sempre irão querer que a chama não se apague”, conclui a sexóloga Lilian. 


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