As bruxas estão soltas

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Adepta do paganismo Chriscia Costa

Foto: Lucas Benevides

Neste mês, cada vez mais os brasileiros importam da cultura americana o hábito de festejar o halloween, ou Dia das Bruxas. As pessoas se vestem e decoram espaços com temas e personagens assustadores, num clima de muita irreverência e diversão. Mas de onde vem essa celebração? E o que são, efetivamente, as bruxas? Perseguidos no passado, bruxos e bruxas são seguidores das religiões pagãs que cultuam deuses e a natureza e defendem o amor e o respeito a todas as coisas. Mas, ao contrário dos mitos, ao invés de voarem em vassouras eles chegaram à contemporaneidade assimilando a tecnologia para as suas práticas, sem perder o encanto. 

Bruxos são aqueles que acreditam em deuses e nas forças da natureza, explica a professora Dayanne Lima, de 30 anos. 

“Na era moderna, ficamos muito afastados de nossa essência mágica, porque nos afastamos das estações do ano, das lunações, das marés e das estrelas. Por isso, em nossas práticas procuramos nos reconectar com os ciclos naturais como uma forma de retornar à essência humana que é parte da natureza mágica”, explica Dayanne, que segue a religião neopagã Wicca. 

A crença de Dayanne tem características próprias, como calendário litúrgico, estrutura ritualística, dogmas e diretrizes. 

“Por outro lado, não temos templo. Nosso templo é a natureza, o planeta, e por isso, um princípio que nos orienta é não fazer mal a nenhuma criatura”, explica.

O mundo ocidental vê separação entre o natural e o cultural ou tecnológico, mas tudo que existe no universo é apenas expressão da natureza, afirma Marcia Bianchi, presidente da Associação Brasileira de Arte e Filosofia da Religião Wicca (Abrawicca). 

“Não podemos esquecer que a civilização humana também é parte da natureza. Não temos problema algum em ver na nossa rotina em grandes cidades uma expressão da deusa que cultuamos como natureza. No entanto, amamos espaços ao ar livre e verde, sempre buscamos locais mais silvestres”, conta Marcia Bianchi. 

Ancestral e moderna, a religião neopagã é centrada no meio ambiente, com cultos acontecendo de acordo com os ciclos naturais, e, também, praticados nos meios virtuais. 

“Não há problema em ver a tecnologia como um instrumento a ser utilizado pelos bruxos. Os rumos da bruxaria são os rumos da vida, sempre foi assim. Se antes só usávamos cristais e ervas, hoje fazemos feitiços escrevendo ou criando imagens em computador. Ser um bruxo é ser um instrumento consciente de tudo no universo. Nossa deusa não só é uma criadora, mas também tudo que constitui a criação”, ressalta a presidente da Abrawicca.


Paganismo

O termo pagão vem do latim paganus que significa “aldeão” ou “camponês”. No início do cristianismo também representava uma pessoa que fazia parte de crenças antigas, do culto à terra e a deuses. Segundo Savio Costa, adepto do paganismo, nem toda bruxaria é Wicca, e há também a bruxaria tradicional, com práticas que já existiam em eras pré-cristãs.  

“Temos diversos tipos de culturas pagãs pelo mundo, que procuram resgatar tradições ligadas à natureza, deuses e espiritualidade. O que chamamos de “reconstrucionismo” foca justamente em trazer para os nossos dias algumas dessas práticas antigas, como a Àsatru, que procura reconstruir as práticas religiosas dos antigos povos nórdicos e germânicos, o dodecateísmo, que é o resgate das práticas helênicas, gregas, a egípcia, kemetismo e o druidismo, com práticas célticas”, detalha Sávio, que atende também pelo nome pagão Adon Ittibel.

Mas afinal, quem é a deusa? No calendário pagão, sempre no primeiro domingo de setembro é comemorado o dia da deusa, data em que os bruxos celebram sua divindade maior sob diversas formas e nomes.

 “A deusa que falamos não tem nome específico nem forma determinada. Deuses nada mais são que manifestações personificadas da natureza. Por isso, hoje podemos ver em diversas partes do mundo algumas tradições que celebram esta deusa sem forma nem nome específico”, explica Sávio.   

Preconceito

A bruxaria sofre ainda com preconceitos que se arrastam desde os tempos em que os acusados da prática eram perseguidos, torturados e mortos. De acordo com Chriscia Costa, designer de moda e praticante do paganismo há 10 anos, isso influenciou diversas culturas e o imaginário, como no caso da indústria de entretenimento, com suas histórias de bruxa má. 

“O halloween é uma comemoração caricata que com irreverência transformou um pouco essa cultura em fantasia. O festejo encontra influências no rito de Samhain, que é parte do nosso calendário, que chamamos hoje de “roda do ano”, quando respeitosamente celebramos os antepassados. Mas parece que estamos sempre arrastando a Idade Média nas costas. Vivemos numa cultura tipicamente cristã e patriarcal, e a bruxaria, que propõe uma mulher desperta e empoderada, incomoda”, afirma a bruxa.

Chriscia garante que sua crença está em sintonia com os rumos atuais.

“A bruxaria está se expandindo, principalmente como consciência ambiental. Cada vez mais pagãos buscam uma espiritualidade que respeite a natureza, os animais e também possa agregar conhecimento. Além disso, a maioria de nós tem respeito pelo próximo. Apoiamos a liberdade das pessoas. Acreditamos que o amor é livre e para cada um viver da forma que achar melhor. Por isso, acredito na bruxaria como religião do futuro. De acordo com a astrologia, estamos rumo à era de Aquário, quando estaremos conectados, redescobrindo antigos valores e nos adequando a uma nova realidade, quando a consciência poderá se expandir”, conclui a bruxa.