Carta a um jovem chef

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Nessa edição dedicada à educação, gostaria de compartilhar trechos do livro “Conselhos a um jovem Chef” (ed. Anhembi Morumbi) do grande Chef Daniel Boulud e do “Escoffianas Brasileiras” do nosso ícone, chef Alex Atala.

“Tem certeza que quer ser chef?

...No começo, não fazia ideia do quanto demoraria para um simples aprendiz num restaurante francês abrir seu próprio estabelecimento em Nova Iorque; hoje sei que, para isso, é preciso muito mais que saber cozinhar. As pessoas cometem esse erro com frequência: confundir talento para cozinhar com o fato de se tornarem chefs. Muita gente que trabalhou para mim cozinha espetacularmente. Eles têm talento. Aprenderam com os melhores. E mesmo assim, sei bem que aproveitarão muito melhor tais talentos continuando a cozinhar num grande restaurante, em vez de tentarem dirigir um como proprietários ou chefs.”

 Daniel se refere à amarga surpresa que muitos cozinheiros talentosos e apaixonados enfrentam ao perceber que para se manter à frente de suas cozinhas, terão que se afastar delas, em um número interminável de tarefas que visam administrar pessoal, fornecedores, custos e posicionamento de pratos, que por mais fantásticos que sejam, têm que enfrentar um mercado disposto a absorver seu preço final. “Primeiro não tenha pressa. Mesmo que tudo se encaixe perfeitamente, vai levar de 10 a 15 anos para que você mesmo possa se chamar de chef...” 

Fico feliz ao encontrar em publicações de chefs renomados a preocupação em educar, mais que simplesmente falar de técnicas e receitas. Alex Atala, em seu ótimo Escoffianas Brasileiras (ed.Larrouse) diz: “Quando se joga água numa esponja, durante algum tempo ela vai absorvendo, absorvendo. Depois de certa quantidade de líquido absorvido, ela satura e começa a liberar toda a água que recebe. Na lida com a cozinha, é mais ou menos assim. No começo a gente só absorve técnica, bases, fundamentos, macetes. De um momento em diante, o conhecimento começa a fluir. Esse instante se parece um pouco com o primeiro pedalar sem rodinhas. Mistura surpresa, susto e certo receio. Mas aí a alegria invade e você percebe que é finalmente um cozinheiro. Acho que não há momento em que um cozinheiro é mais cozinheiro que esse. Quando acontece, a cozinha vira o tema central da sua vida. O fascínio por esse universo vai levá-lo a querer ler sobre todas as receitas, passar horas no supermercado lendo embalagens... 

Chefs são cozinheiros e não devem se orientar pela efemeridade produzida por fotos... Apesar de possuir um diploma, nenhum aluno de faculdade sai chef assim que termina o curso. Não é um avental que faz da pessoa um profissional, e sim sua trajetória. “Uma vez estressado, na minha primeira experiência numa grande cozinha de hotel em Lisboa, perguntei ao grande chef Mello como conviver tantas horas sem uma janela, e ele, com o dedo, apontou para a minha cabeça, no meio dos meus olhos, e disse: “A janela está aqui!”. 

 Para seguir nessa profissão é preciso buscar educação o tempo todo, e como disse Alex Atala, um curso superior não resume, é só o início. Ele mesmo nunca frequentou escola de cozinha, e é quem melhor nos representa internacionalmente. 

Ler muito, viajar sempre, sem dinheiro, na marra, para trabalhar em qualquer posto e se impregnar do cotidiano de lugares especiais. Chef é um posto, cozinheiro é a profissão, daquelas que não se perde, por mais que se vá por outro caminho, uma vez cozinheiro é para sempre! 

Se você não tem recursos para pagar uma universidade, que estão cada vez melhores, não desista! Batalhe por uma vaga de qualquer coisa no melhor restaurante possível, de preferência, alguém que você admire, trabalhe mais que os outros e o chef o perceberá, logo terá o melhor professor e a melhor sala de aula do mundo para um cozinheiro: uma cozinha profissional.

Quando o chamado é forte, o jeito é encarar o sacerdócio!