Cozinha equilibrista

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Foto: Colaboração / Romeu Valadares

A imagem que me deu na cabeça foi daqueles chineses que ficam rodando pratos na ponta de várias varetas, coisa antiga, batida, mas vai fazer! O equilíbrio fascina, ele não está ali de bobeira para quem quiser pegar, não senhor! Envolve desafio, sim, talento, mas muito treino também! Cozinheiros e enólogos vivem uma história de varetas na mão, atentos na tensão do equilíbrio, na verdade, é nisso que está grande parte da graça de se criar uma combinação de ingredientes num prato ou procedimentos e decisões, no caso das uvas e do vinho. No fim, temos o resultado da busca de uma perfeição, mais próxima do sonho que da realidade, afinal temos todos histórias, narizes e bocas diferentes e assim, percepções também variáveis sobre o próprio equilíbrio. Nossa sorte é que temos um ponto um pouco mais complacente para equilibrar nossos pratos e garrafas que nossos colegas equilibristas chineses, ainda que, de vez em quando, ouçamos um nítido som de prato quebrando, numa garfada ou gole que toca a boca. Bacon é o chocolate da proteína animal, um prato com bacon ou uma sobremesa com chocolate é jogar em casa, com a torcida a favor. E o jiló? E as couves? E os deliciosos amargores? Rimei! Mas a intenção é só chamar a atenção de vocês, não adianta mudar o canal, desliga os chefs disso e daquilo na TV e pensa na vastidão de ingredientes, vai na feira e no mercado, toca, cheira e imagina. Todo mundo faz churrasco, vai e joga outras coisas na brasa, arrisca! Grelhei abóbora, temperada com sal, pimenta do reino e lambuzada no azeite, pensei num prato vegetal. Árabes e judeus sempre me inspiram nessas viagens, usam muito bem seus vegetais, tem que irrigar suas terras, não podem brincar de ter rebanhos gigantes como nós, mas sobram em especiarias incríveis. O zaatar por exemplo confere a personalidade do Oriente Médio a um prato, é uma mistura de orégano, manjerona, tomilho, gergelim tostado, sumagre (frutinha de uma planta local desidratada) moídos. Na base do prato, uma boa colherada de coalhada seca com sua acidez característica, cubos da abóbora grelhada com sua doçura, cebolinha, amêndoas (eu usei castanhas-do-pará) tostadas, azeitonas pretas, cebolas roxas que eu corto bem finas e deixo em salmoura na geladeira por umas horas, depois é só espremer a água, temperar com gotas e zest de limão siciliano, e, claro, azeite sempre. Pão árabe e mais azeite. O universo conspirou e fez chegar por sedex, na hora em que me esforçava para equilibrar o prato, a novidade da Vinícola Vetisqueiro. Já havia provado os vinhos da linha Grey, todos excelentes (especialmente o syrah), agora foi a vez do sauvignon blanc, bem refrescado, como deve ser, caiu no copo e mostrou no nariz o que se espera de um bom vinho dessa variedade: algo cítrico, fresco, fina nota de pimenta verde, um aviso de que estava ali um belo vinho! O Grey single block sauvignon blanc (Importadora Cantu) cresce na boca, tem volume, presença e tensão. Quando se pensa na Vetisqueiro não parece que ela tem só 20 anos de existência, tamanha é a familiaridade que conquistou no mercado brasileiro, onde a confiabilidade de suas linhas em diferentes escalas de preço criou laços com o consumidor. A linha Grey está no meio da pirâmide e é território seguro para quem quer receber de volta na taça o que sai da carteira. Plantar em terra desértica não é um passeio no bosque, é preciso estar bem-aparelhado, com conhecimento e maturidade, coisas que parecem sobrar no enólogo Felipe Tosso. Os 13 hectares plantados com as uvas que originam esse single block fazem parte do deserto do Atacama, um solo especial, calcário e salino. Enquanto os cientistas suam para determinar a exatidão da influência do solo no gosto final do vinho, eu vou provando tudo isso e repetindo baixinho, que é para ninguém me chatear: mineral, mineral, mineral.