Criando meninos

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Mariana Basílio é mãe de dois meninos, Bento e João, e está à espera de uma menina. Ela diz estimular sempre os garotos a expressarem suas emoções. “Acredito que ser sensível é uma qualidade para qualquer ser humano”, afirma

Lucas Benevides

Felizmente, hoje muito tem se falado sobre a igualdade de gêneros, e por todos os lados encontramos campanhas de combate ao machismo e pelo fim da violência contra mulher. Problemas com raízes históricas, que representam um desafio para pais e educadores. Afinal, como educar meninos para que eles não reproduzam as violências verbais, psicológicas e físicas contra as mulheres? Na verdade, não existe uma criação única e ideal para os homens, mas especialistas garantem que diálogos e exemplos podem ajudar muito a enfrentar esses problemas.

Mãe de dois meninos, Bento, de 3 anos, e João, de 1, e grávida de uma menina, a jornalista Mariana Basílio, de 34 anos, acredita que nos dias de hoje os pais não devem mais permitir que o machismo tenha espaço. Para ela, ser mãe de meninos é sinônimo de barulho, correria, mas também de muito afeto.

“O lado bom é que, em tese, é mais prático educar um menino, somos objetivos e a abordagem é mais direta em relação a esses problemas. O difícil é que devemos ter cuidado para não sermos rudes, até porque cada criança é de um jeito. Existem meninos mais sensíveis e outros mais desencanados. No meu caso, estimulo os meus filhos a expressarem sempre as suas emoções. Acredito que ser sensível é uma qualidade para qualquer ser humano”, defende Mariana. 

A masculinidade que conhecemos foi construída no Ocidente a partir do século XIX, com uma ênfase sobre a força física nas classes populares e na defesa da propriedade para a burguesia. O que produziu, além de uma ideia de força para homem, a figura de fragilidade para a mulher, explica Jair Souza Ramos, professor de sociologia da UFRJ.   

“O homem aparece como defensor, e por isso uma figura dominante sobre uma suposta fragilidade de mulheres e crianças. Infelizmente, persiste até hoje na formação dos rapazes uma ideia do feminino como subordinado e fraco. Termos como maricas e mulherzinha são fortes indicadores dessa dicotomia, que é a raiz do machismo, do sexismo e até da homofobia”, alerta o professor.

Por outro lado, um menino já nasce sob uma forte carga de pressão cultural para que esses valores se perpetuem, com afirmações do tipo: “isso é coisa de menina” e “homem não chora”, destaca a psicóloga e psicanalista Aline Oliveira. 

“Percebo que as mães, mais que os pais, fazem um esforço para desconstruir essas máximas, porém, o desafio começa em desconstruir o machismo em si mesmo. Na verdade, pais projetam suas aspirações e interesses nos filhos. Por isso, não tem muito mistério, promover uma mudança requer, em primeiro lugar, que eles repensem o que transmitem”, afirma Aline.

Além de subjugar mulheres, a cultura machista traz consequências para os próprios homens, que são incentivados a reprimir seus afetos.

“Em meu consultório, recebo adultos cada vez mais esgotados emocionalmente e medicalizados. As consequências são  inúmeras, desde estados depressivos a crises de ansiedade. O que o sujeito cala, retorna no corpo, no trabalho, nas relações, em forma de sintoma. O homem é oprimido pelo machismo e o preço dessa opressão é alto e adoecedor”, afirma a psicanalista. 

Mãe de Guilherme, de 9 anos, e João, de 5, a pedagoga e blogueira Maria Cristina Bernardo sempre se preocupou em oferecer uma educação para os filhos que ensinasse a igualdade entre gêneros. Junto com o marido, o empreendedor Paulo Cesar Couto, de 35 anos, ela optou por oferecer exemplos em casa. 

“Na verdade isso começou de uma maneira muito natural e só depois eu e meu marido percebemos a importância desse aspecto na educação. Aqui em casa nós dividimos tudo, tarefas domésticas e profissionais. Tudo é dividido igualmente. Dei sorte: meu marido cozinha muito melhor que eu”, brinca Cristina.

Depois de se reinventarem para fazer dos filhos o que acreditam ser homens melhores, o casal agora enfrenta um novo desafio com a pequena Júlia, de 8 meses.

“Meu filho mais velho já ajuda até nas tarefas domésticas. Digo para ele que é importante saber cuidar do próprio espaço. Eles só percebem que têm uma educação diferenciada quando se relacionam com outras crianças. Uma vez meu filho quis brincar de boneca com outra menina, queria ser o ‘pai’ do brinquedo, mas a amiguinha não permitiu que ele se aproximasse da boneca, ou seja, não é só no menino que o machismo é introjetado. Por isso, agora estamos atentos também com a educação da Júlia”, ressalta a pedagoga.

Palco de muitos conflitos, a tecnologia também pode ser uma aliada para que a diferença entre os gêneros termine. Atualmente temos mais acesso a informações sobre o que nos faz pensar e agir de forma machista. Trabalhando bem com essas informações, conseguimos mostrar o quanto isso é errado e vai contra os princípios de igualdade entre as pessoas, explica a psicopedagoga Luciana Brites, do Instituto NeuroSaber.

“Essa é uma questão que passa pela empatia, ou seja, a capacidade de se colocar no lugar do outro. Um trabalho que deve ser feito por pais e responsáveis com muito diálogo. É um momento inclusive para permitir que haja novos pontos de vista, sempre de uma forma respeitosa, para que os envolvidos possam entender uma mesma questão sob os diversos ângulos. Só assim, falando e ouvindo, temos a possibilidade de conquistar o entendimento entre todos”, conclui a psicopedagoga.