Desbravadora

Revista
Tpografia
  • Mínimo Pequeno Médio Grande Gigante
  • Fonte Padrão Helvetica Segoe Georgia Times

A jovem atriz estreia como diretora, com o recém-lançado documentário “Divinas Divas”

Foto: Divulgação

Atriz, autora, produtora, roteirista... Ufa! Para Leandra Leal, dar conta disso tudo não a distingue das demais mulheres. Muito pelo contrário, é exatamente essa missão de ter que fazer tanta coisa que a coloca em pé de igualdade com qualquer outra mulher moderna. Conhecida pelos papéis na TV, a jovem atriz agora desbrava dois novos caminhos: o de diretora, com o recém-lançado documentário “Divinas Divas”, e o de mãe da pequena Julia, de dois anos, adotada por ela e pelo marido, o produtor Alê Youssef.

Sua carreira como atriz começou muito cedo. Desde pequena, você já sabia que queria seguir esse caminho?

Sim, já sabia, porque, na verdade, eu acho que nem tive muita opção. Minha mãe é atriz, o meu avô tinha um teatro, então todos os amigos da minha mãe eram ligados ao meio. Isso foi muito determinante, era um caminho meio que natural para seguir. Todos os espelhos, as trajetórias que eu via de pessoas mais velhas, de amigos da minha mãe, eram ligadas ao meio artístico. As pessoas que eu admirava eram artistas.

Nestes anos de carreira, você já atuou no teatro, na televisão e no cinema. Qual trabalho mais te marcou?

Com todos os trabalhos eu aprendi alguma coisa, mas acho que o que realmente mais me transformou foi o “Divinas Divas” (documentário dirigido por Leandra que mostra a primeira geração de artistas travestis do Brasil, Rogéria, Valéria, Jane di Castro, Camille K., Fujica de Holliday, Eloína, Marquesa e Brigitte de Búzios). O “Divinas” é uma empreitada muito gigantesca que eu me comprometi como artista, como criadora, como cidadã.

Além de atriz, autora, produtora, roteirista e diretora, Como é ser mãe de Júlia, uma menina de dois anos, e ainda se desdobrar em tantos outros trabalhos?

É como qualquer outra mulher que é mãe e que tem que dar conta de tudo isso: de trabalhar, da vida. Acho que toda mulher que é mãe passa por isso de se desdobrar, de dar conta de uma realização pessoal, profissional. É um drama de toda mulher.

Você está sempre mobilizada em campanhas, como foi o caso de sua publicação em uma rede social, de uma das cenas do filme “O Uivo da Gaita”, em que aparece beijando a atriz Mariana Ximenes com uma legenda contra a homofobia. Como você reage às críticas que geralmente esse tipo de manifestação gera?

Eu acredito que é natural, é a delícia de viver em uma democracia, de você falar o que quer e ouvir o que não quer muitas vezes. Mas eu sempre defendo as minhas opiniões não como uma verdade, mas, sim, como uma opinião, então, acho que uma rede social é pública, estou suscetível a esses comentários. Mas esse acirramento de ódio, de intolerância, ele é muito fruto de preconceito, de uma sociedade que investe pouco em educação, porque quanto maior a educação de um povo, menos preconceito ele vai ter.

“Divinas Divas” recebeu o Prêmio Felix e conquistou o troféu de melhor documentário pelo júri popular no Festival do Rio do ano passado. Também ganhou o prêmio de melhor filme da categoria votação popular no festival South by Southwest (SXSW), nos Estados Unidos, e o de melhor filme no Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro, em João Pessoa. Você esperava todo esse sucesso na sua estreia como diretora?

Não, passei muito tempo montando o “Divinas Divas”, fazendo o filme isolada, então, o comprometimento que eu tinha era que o filme tivesse o potencial que eu poderia dar para ele ao máximo, assim como todas as artistas envolvidas, todas as divinas divas se doaram ao filme. Então, eu queria também doar e fazer o melhor registro possível da trajetória delas, que eu admiro tanto. O filme foi feito com muito amor, com muita dedicação, e acho que esse amor toca as pessoas que assistem ao filme. Essa é a maior recompensa. Eu acho que os prêmios de público refletem isso, como esse amor transborda.

Você vê alguma semelhança do Brasil atual com o Brasil dos anos 60, onde essas artistas foram ícones e quebraram tabus na época da ditadura? 

É muito contraditório, mas, na época da ditadura, havia a proibição de um governo, mas existia espaço para essas artistas trabalharem. Hoje, que vários direitos LGBT foram conquistados, elas têm menos espaço na sociedade e o Brasil é o país que mais mata transexuais e travestis no mundo, a idade média de um homem trans é de 34 anos de vida. Então eu acho que a sociedade vem sofrendo uma onda de intolerância, de ódio, a gente vem assistindo ao crescimento de uma onda conservadora político-religiosa e tudo isso reflete no acirramento do preconceito. Acho que a situação é melhor porque temos direitos assegurados pelas leis, mas o preconceito ainda é gigantesco e a sociedade brasileira é extremamente violenta tanto em atitudes quanto em falas. Então, acho muito importante nos dias de hoje o “Divinas Divas” estar saindo nesse momento, porque é um documentário sobre artistas, sobre vida, sobre escolha, sobre liberdade e sobre amor. 

O Teatro Rival fez e faz parte da sua história. Como é dirigir esse palco da cultura carioca e continuar o trabalho de seu avô, Américo Leal, ao lado de sua mãe, Ângela Leal?

É uma missão, como eu digo até no filme. Ter um teatro que é privado é um sentimento muito louco de você ter um lugar que é seu, que é patrimônio da sua família, mas, ao mesmo tempo, ele pertence à cidade, aos artistas, ao público, porque um teatro é dependente disso, de quem está em cena e de quem está lá para ver a cena. Então, vejo o quanto a cidade do Rio de Janeiro tem pertencimento sobre o Rival, então realmente é dar continuidade em uma missão, procurando dar um pouco mais da minha cara ao espaço agora comigo e com minha mãe juntas. Mas ele não é meu, sinto que eu tenho a missão de tomar conta dele.

O filme também retrata a sua relação com o Teatro Rival. Como foi para você todo o processo de criação do longa? 

O Rival é um outro personagem do filme, que une todas nós. Ele é o ponto em comum, o ponto de encontro, e acho que é por isso que eu tenho esse olhar privilegiado sobre elas, tão íntimo, por sempre ter visto elas em cena. Além disso, acho que outra coisa que a gente tem em comum é o ofício. Todas nós temos o mesmo ofício, que é o da arte, e eu acho que o filme é isso: uma declaração de amor ao teatro.

Para você, o que é ser Diva?

Olha, eu acho que cada um tem uma diva, porque diva é uma pessoa que te inspira. Para mim, uma pessoa que é diva é uma pessoa que tem paixão e talento pelo que faz.