Doce conexão

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Fernanda Maciel, mãe de Manuela e Arthur, usa atividades lúdicas para manter-se próxima à rotina dos filhos

Foto: Douglas Macedo

Muito antes do nascimento e ainda no ambiente intrauterino, tem início a formação do vínculo entre a futura mamãe e seu bebê. Trata-se de um processo de comunicação tão complexo quanto sutil e que torna possível esta troca íntima e profunda. O vínculo é de importância vital para o feto, pois precisa se sentir desejado e amado para propiciar a continuação harmoniosa e saudável de seu desenvolvimento. A formação do vínculo, por sua vez, não é automática e imediata, pelo contrário, é gradativa e, portanto, necessita de tempo, compreensão e amor para que possa existir e funcionar adequadamente. Mas e quando a criança já faz parte desse mundo? E quando os filhos já são crescidos? Manter a conexão e construir afinidade com seus filhos ao longo da vida é uma tarefa que exige comprometimento, cuidado, dedicação e a resposta é recompensadora, dizem as mães.

A psicóloga e mãe três vezes Fernanda Maciel, de 39 anos, introduziu brincadeiras lúdicas na rotina da família para se aproximar mais de sua filha Manuela, de 7 anos, o que acaba também fazendo com que a pequena participe da criação e cuidados com o irmão, Arthur, de 4 meses. Uma das invenções foi a competição do banho: enquanto Fernanda dá banho no bebê, Manu toma seu banho sozinha e elas vão narrando (uma do quarto e a outra do banheiro) em que parte do banho estão para ver quem está ganhando. E tem que finalizar todo o processo: passar o hidratante, colocar o pijama e escovar os dentes para dormir. 

“A gente muda muito de um filho para o outro. Em cada gravidez somos uma mulher diferente, com questões diferentes. A gravidez da Manu foi ótima, mas eu trabalhava demais e, com a inexperiência, tinha tudo sob controle, era cheia de regrinhas. Por exemplo, tinha que amamentar a cada três horas. Pra tudo tinha hora certa. Já com o Tutu (Arthur) estou mais relaxada, a amamentação é por livre demanda e mudei minha carga horária para trabalhar menos e ficar mais com eles”, comenta. 

Para a psicóloga perinatal e mãe Roberta Maforte, essa é uma excelente solução, pois torna as necessidades mais leves e simples para todo mundo, além de imprimir afetuosidade na vida cotidiana. 

“Pode ser desgastante, pois exige criatividade e disponibilidade, mas os benefícios são imensos para mães e filhos. É comum que os filhos resistam e reclamem de muitas das obrigações diárias. Nessa batalha para que eles cumpram tais tarefas, muitas vezes, usa-se tons imperativos, ordens e até mesmo punições. Além de tornar a própria tarefa maçante, isso traz uma carga afetiva ruim que irá transbordar para o relacionamento. Então, se conseguimos construir uma forma lúdica ou cordial, é um ganho”, analisa. 

Fernanda perdeu o segundo filho, Benício, ainda na gravidez, aos sete meses. Uma das suas lutas como mulher, ao lado de outras mães de Niterói, que se uniram através da página no Facebook “Do luto à luta”, é a legitimação da existência e da dor pela perda de um filho que estava sendo gerado.

“Dentro da barriga já há uma conexão entre nós e as pessoas insistem em achar que a mãe tem que esquecer rápido e seguir em frente. Antes de 22 semanas de vida, o bebê é tratado como ‘material’ pelo hospital, ou seja, lixo hospitalar. Buscamos mudar isso e também conseguir colocar na certidão de óbito o nome do nosso filho, que, atualmente, vem apenas com o nome dos pais. Esse grupo de apoio é muito importante”, pondera Fernanda.

A psicóloga Roberta explica que, quando uma pessoa falece, muitos se compadecem e há uma comoção coletiva, um luto que é vivido em grupo, e isso é fundamental para que todos voltem a se fortalecer após uma perda. Já na perda gestacional isso nem sempre acontece. 

“Tendo sido no sétimo mês, com uma barriga visível, até haverá um pouco dessa comoção, mas isso não acontece numa gestação ainda no início, por exemplo. Sendo assim, é uma perda muito íntima, pouco compartilhada e sem escora. Além disso, na nossa sociedade, ser mãe é visto como o ápice da vida de uma mulher e não conseguir gerar um filho pode gerar um sentimento de derrota e vergonha em muitas. Finalmente, as coisas que são ditas a uma mulher que perdeu um filho ainda na barriga não são das melhores... Ninguém diz a uma viúva ‘calma, você se casará novamente!’, mas diz-se a uma mãe ‘calma, já, já você engravida novamente!’ É preciso entender esse acontecimento, elaborá-lo e vivê-lo como tal”, recomenda. 

Jéssica Reimol se conecta com a filha Diana, de 7 meses, principalmente através da amamentação

Foto: Arquivo Pessoal

Amamentação 

Possivelmente o ato de amamentar é a primeira situação fora do útero e a mais clara onde as mães se conectam emocionalmente e fisicamente com seus filhos. E a mãe em tempo integral Jéssica Reimol, de 26 anos, relata este como sendo o momento em que mais se aproxima da pequena Diana, de 7 meses, que lembra a princesa de Gales não apenas no nome. Mas amamentar não foi um caminho fácil. Jéssica conta que, no começo, foi doloroso, os seios ficaram feridos e, a cada mamada, parecia piorar. Mas ela não estava disposta a desistir, pois sabia o quão importante é o leite materno para o desenvolvimento de um bebê. 

“Li muito sobre o assunto, conversei com outras mamães e participava de grupos de apoio à amamentação nas redes sociais. Outra ajuda preciosa foi a do meu marido, sempre atencioso e carinhoso nessa fase, o que é super importante! A amamentação realmente reforça os laços, o meu colo alimenta nós duas. É um prazer sem igual quando ela olha em meus olhos e acaricia meu rosto enquanto mama... No entanto, mais do que isso, todos os momentos do dia a dia aproximam a gente: uma brincadeira, uma gargalhada, o momento do banho, um cochilo que tiramos à tarde agarradinhas... E até os momentos de birra. Cada dia sinto que nos conhecemos e estamos mais ligadas”, aprecia Jéssica, lembrando que, logo que Diana nasceu, descobriu que os laços entre uma mãe e um(a) filho(a) vão muito além do cordão umbilical. “É impressionante como nosso instinto materno fala alto e você se pega sabendo todas as necessidades da criança”.

Segundo a médica obstetra e especialista em parto humanizado, Clara Naegele, a amamentação é uma das formas de criação de vínculo entre uma mãe e um filho. O contato direto, o cheiro da mãe, a troca de olhares e toda resposta hormonal que a amamentação desencadeia são capazes de proporcionar segurança para o bebê, aumentando o elo entre eles.

“Porém, o ato de amamentar não é instintivo e é normal muitas mães terem dificuldade nesse processo. Para as mães que não conseguem ou que não podem amamentar, o elo pode ser mantido através dos cuidados diários, troca de olhares, do toque, técnicas de massagem, estímulo através de canções que, desde dentro da barriga, já são capazes de criar um vínculo forte entre eles”, explica Clara, que, junto com outra obstetra e uma psicóloga/doula, oferece em Niterói um curso para gestantes chamado Espaço Matres. 

Mãe dos gêmeos Miguel e Sophia, Thayana Guimarães criou junto com o marido o dia do filho único

Foto: Douglas Macedo

Gêmeos 

Um filho já demanda tanto tempo e disposição, então imagine dois de uma vez só! Foi assim, pega de surpresa pelo destino, que a empresária niteroiense Thayana Guimarães, de 30 anos, se viu no início de 2016, quando descobriu que estava grávida dos gêmeos Sophia e Miguel, hoje com 1 ano e 7 meses. 

“Eu e Phillipe estávamos juntos há 6 anos. Amamentei até quatro meses e meio, quando meu leite secou, a menstruação desceu. Por ser dois, você já pensa que vai ter ajuda, mas essa ajuda vem mais quando são bebês. Depois que eles crescem, acho que torna a rotina mais complicada. Miguel, recentemente, teve uma crise de bronquite e teve que ser internado. O pai estava viajando a trabalho e eu tinha que buscar a Sophia na creche, mas estava com ele no hospital. Minha mãe teve que pegar um avião para minha cidade para fazer isso por mim. Quando você acorda de mau humor ou de madrugada e, de repente, vê aquele sorriso lindo e ouve a palavra ‘mamãe’, seu coração derrete e tudo faz sentido”, ressalta Thayana. 

A tarefa de aumentar esse elo e aproximar-se ainda mais dos filhos, no caso dos gêmeos, é realizada em partes na casa dos Guimarães. Tudo com muita criatividade e desenvoltura, até porque os irmãos são muito ligados (durante toda a entrevista, era possível ouvir Miguel falando “Vem, irmã!”, chamando a Sophia para perto dele, para alguma brincadeira. Coisa mais fofa). 

“Nós tivemos a ideia de fazer o dia do filho único lá em casa. Nesse dia, eu saio com um filho e o Phillipe com o outro. É quando a gente percebe como é o comportamento deles sozinhos e como eles são dependentes um do outro. Quando eles nascem, todo o foco se volta imediatamente para a necessidade deles e participar do dia a dia é importante. Eles adoram desenhos musicais e dançamos e desenhamos juntos todos os dias”, enfatiza Thayana. 

Babá profissional, Andréa leva a filha Victória até a praça para otimizarem o tempo juntas

Foto: Lucas Benevides

Mãe e babá 

Algumas mães têm o privilégio de contar com o apoio e o cuidado de uma babá durante a criação de seus filhos. Mas já pensou nessa mulher que, muitas vezes, também é mãe e abdica da criação de seu próprio filho para se dedicar à criação do filho de outros pais? É isso o que acontece com Andréa de Oliveira de Santanna, de 33 anos, mãe da Victória, de 7. Hoje em dia, com um trabalho que a possibilita ter horários flexíveis, Andréa consegue ir à praça perto da sua casa, momento só dela e da filha. Mas nem sempre foi assim. 

“Quando engravidei, já trabalhava como babá e tive que deixar a Victória com minha mãe aos 4 meses. Ficava quase 12 horas longe dela. Eu chegava cheia de saudades, tirava ela do berço e colocava no meu colo dormindo, só para ela sentir o calor do meu corpo e eu o cheirinho dela. Em vários momentos, eu até chorava. Com 1 ano e 8 meses, coloquei ela em uma creche boa, que me ajudou muito. Com isso tudo, ela cresceu e ainda chupa chupeta e dorme do meu ladinho. Compro várias chupetas achando que, com isso, ela sinta menos saudades. Mas sinto culpa mesmo pelo fato de não conseguir fazer ela dormir na cama dela ainda. Rola ciúmes também. Às vezes, ela pede pra eu dar comida na boca, dar banho igual um bebezinho. Quando ela sente saudades, na minha falta, fica bem agarradinha com o pai”, relata Andréa.

Para a psicóloga Roberta, o trabalho de babá coloca para a mulher-mãe uma dificuldade peculiar. Muitas vezes, ela consegue dar à criança que cuida um nível de atenção que não consegue em casa por conta dos outros tantos afazeres que tem em seu próprio lar. 

“É duro. Uma possibilidade de construir uma maneira de lidar com isso é entender o trabalho de babá como outro trabalho qualquer, em que a mãe se ausenta para cumprir uma tarefa, independente de qual seja. Isso se torna especialmente complicado quando pensamos que, normalmente, o trabalho de babá é executado por mulheres de uma classe social que têm menor acesso à educação e, por isso, têm possibilidades de trabalho limitadas. E ainda, para trabalhar, essas mesmas mulheres necessitam atribuir o cuidado com seus próprios filhos a outrem, entregando-lhes a familiares ou a creches/escolas, cuja qualidade está muito aquém daquela que a criança para a qual é contratada para cuidar será levada. Nesse contexto, a disparidade social toca numa ferida cara às mulheres”, discorre.

Lucas, Gilza, Maria José e Victoria: afeto e cuidado são o que une a família

Foto: Divulgação/Will Araujo

Mãe e avó

Muito se fala da maternidade enquanto os filhos ainda são pequenos, mas ela continua por toda a vida, claro. A dona de casa Maria José Alves Fernandes, de 80 anos, é mãe da designer de moda Gilza Fernandes, de 50, e avó de Lucas (20) e Victoria (18). Quando Gilza ainda era adolescente, sua mãe fazia comidas gostosas e recebia as amigas e os amigos da filha em casa, como forma de estar sempre perto da cria. Os anos se passaram e, hoje, com os netos, continua se mostrando presente na rotina, mas de outra forma: viaja com eles e acaba sendo um ombro amigo na hora das confissões.

“Minha casa parecia estar sempre em festa. Gil tem muitos amigos e, às vezes, juntávamos 30 pessoas em casa. Muitos dormiam lá, era o máximo. Preferia assim porque eu sabia onde ela estava e não me preocupava. Embora a gente tenha uma família de sangue pequena, criamos uma grande família afetiva. Com os netos, sei qual é o meu papel e procuro sempre ajudar. Mas, confesso que, hoje em dia, eles me ajudam mais, são preocupados comigo e cuidam de mim”, afirma Maria José, que é completada pela filha: “Pra você ter ideia, meu quarto era o maior da casa e, mesmo sendo filha única, tinha uma bicama. Ela sempre trouxe meus amigos para dentro de casa. Mamãe é mineira, cozinha muito bem, conquistava todos pelo estômago. Tinha isso do aconchego, do receber bem. Meus amigos falam até hoje do bobó de camarão e do pavê de morango que ela fazia”, lembra Gilza.

A psicóloga Roberta acrescenta que gerenciar filhos e netos em idades distantes é uma tarefa e tanto, mas isso pode se amenizar se conseguimos entender o meio familiar como um grupo. 

“Um grupo que vive junto, que compartilha do mesmo espaço físico, que compartilha mãe, pai, avós, tios, tarefas, momentos... Numa família centralizada em torno de uma figura, isso se torna mais difícil. Por isso, é importante investir nos laços afetivos de todos com todos, partilhar cuidados e responsabilidades”, esmiuça a profissional.

Criação e tabus 

A maternidade exige muito de uma mulher, fisicamente, mas, sobretudo, psicologicamente. É muito tênue a linha que divide o educar (que impõe coisas e diz não quando necessário) da afetividade, o que torna criar um filho uma tarefa difícil, para além de prazerosa. De acordo com a médica Clara, a construção da confiança inclui o dizer “não”. 

“A estabilidade e a confiança presentes na relação entre a mãe e o filho permitem que toda gama de emoções e sentimentos seja vivenciada de forma saudável, até mesmo a raiva. Sendo assim, ser contrariado e contrariar, saber ouvir o não e saber dizer o não de forma segura e autêntica, quando a permanência do vínculo é garantida, são lições preciosas para toda vida”, esclarece. 

Há vários tipos de tabus em torno da maternidade, desde a cobrança de que a mulher precisa ter um filho para ser mulher até a ideia de que ter um filho apenas não é o suficiente. A maioria das mulheres já parou para pensar no que pode ser feito para diminuir essas preconcepções sociais, esses rótulos. Para Clara, elas alcançaram um novo papel na sociedade, onde nem sempre a maternidade precisa estar presente. 

“O movimento feminista defende a maternidade como um direito de escolha e não como uma pressão social e essa decisão só pode ser tomada pela própria mulher, devendo ser respeitada”, observa. 

A psicóloga Roberta Maforte acrescenta, ainda, que, para falar sobre a maternidade de hoje, precisamos entender que ela nem sempre foi vivida da maneira como conhecemos. Com o fim da era medieval, as famílias passaram a constituir uma unidade e, com ela, o papel da mulher passou a ser diretamente relacionado a gerar e educar crianças. De alguma maneira, o sucesso de uma sociedade estará intimamente relacionado ao sucesso destas mulheres em criar seres humanos produtivos e bem inseridos socialmente. A crescente inserção da mulher no mercado de trabalho tirou-a deste ambiente estritamente familiar, porém, não a eximiu da responsabilidade quase absoluta com relação ao sucesso da educação infantil.

“Paralelamente, vivemos uma virada em que os conhecimentos médico-científicos se sobrepõem ao saber popular. A mulher-mãe se sente destituída do saber necessário para cuidar de sua criança e passa a se referir ao médico pediatra para que lhe ensine. Ou seja, a mulher é levada a acreditar que tem em mãos uma tarefa colossal para a qual não está preparada. Esta mudança atua diretamente em aspectos psíquicos da construção do ‘ser mãe’, que passa a ser além de solitário e austero. Desta forma, temos uma mulher que deve ser duplamente bem-sucedida (em sua vida profissional e na criação de seus filhos) ou será duplamente culpabilizada. Entretanto, vivemos um crescente avanço de seus direitos e caminhamos, ainda que a passos lentos, em direção a uma maior equidade entre os sexos. Isso forçosamente deve recair sob o âmbito familiar, tornando a tarefa de educar e cuidar uma incumbência tanto feminina como masculina, suscitando a atuação de pais presentes e corresponsáveis, para uma vivência de uma parentalidade ajustada”, finaliza Roberta.