Escadaria para o paraíso

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Foto: Divulgação

Quando ditas em inglês, essas palavras, “stairway to heaven”, ganham amplitude épica, daquelas que vão falar de nós para as próximas civilizações, depois que já não mais habitarmos esse planeta! Ao olhar as escadas que levam ao Restaurante Místico, na Pousada Abracadabra de Búzios, desejei ter um zepelim, não que sejam tão longas quanto isso, mas quando se tem uma só perna em pleno funcionamento e uma muleta na mão, toda escada vira uma promessa! Místico, promessa e civilizações interplanetárias combinam tanto comigo como aquelas detestáveis taças plásticas de espumante e suas cores radiativas! Aquilo que se come, bebe, onde e como isso é servido importa mais para mim que qualquer música do Raul. O Restaurante Místico conquistou o direito de se chamar, seja lá do que for, num sábado que contribuiu com céu limpo e lua brilhante. Subi as tais escadas para uma vista de paraíso. Trazia um vinho comigo e, ao perguntar sobre a rolha, fui surpreendido com uma gentileza estalada, cobravam rolha, mas como essa seria minha primeira vez na casa (ou sensibilizados pela escalada), cuidariam do serviço do vinho, como boas-vindas. Sentado na varanda do pequeno restaurante, meia dúzia de mesas, o serviço logo se mostrou condizente com a linda vista da Armação de Búzios, alegre e gentil na medida para o conforto e a privacidade.

 

Foto: Divulgação

Um Dry Martini depois, chega um mimo de croquete de rabada, lembrei do zepelim, já entrando no paraíso. Tartar de atum com gema cozida em baixa temperatura e uns chips que abusavam da técnica, coisa moderna, arquitetônica! Nessa altura, o vinho já coloria nossos copos com sua natureza amarela citrina, um 100% rabigato, uva-branca do Douro, que ganhou esse nome pelos cachos compridos que lembram o rabo de um gato. A uva é mais comum em blends, mas a vinícola Dona Berta (Importadora Chico Carrero), citada na bíblia das castas “Wine Grapes”, (no capítulo da rabigato), produz esse varietal com uvas provenientes de vinhas com 30/60 anos. Esse é um caso especial, um vinho que tanto pode ser aproveitado no seu máximo de juventude, com acidez em alta e equilíbrio, como pode evoluir com a guarda em adega. Estalando de frescor, ficou bem com o tartar de atum, encararia até um ceviche, uma sensação de boca limpa para a próxima garfada, uma satisfação de se ter acidez fina e estrutura ao mesmo tempo, e ainda uma permanência que só bons vinhos oferecem. Vou ter que procurar umas garrafas de safras passadas para acompanhar sua evolução, que com certeza trará mais corpo, onde, em troca do brilho vibrante da acidez, teremos presenças mais amendoadas e macias. A gema do tartar tinha um ponto fantástico, firme, porém muito macia, no conjunto bem temperado do peixe não atrapalhou o vinho. O prato principal, camarões flambados na cachaça e risoto de coral, exigiu demais da versatilidade do rabigato e me peguei desejando mais volume no vinho para acompanhar o risoto, simples detalhe, que um olhar para minha adorável companhia fazia esquecer, afinal, na experiência da mesa o palato ganha embalo num olhar e num suspiro. Se subi as escadarias para o paraíso, cheguei, e lá em cima emendei um “I’m in Heaven”...