Lixo no lixo

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As inovações tecnológicas se desenvolvem cada vez mais com a pretensão de facilitar e melhorar a nossa vida. Quanto mais se desenvolvem mais formas de facilitar, silenciosamente surgem efeitos colaterais. O mundo discute o que fazer com o lixo eletrônico em todas as partes, até no espaço temos sobras percorrendo nossa órbita. 

A nossa incapacidade de utilização racional dos recursos não é nova. Quando da nossa explosão demográfica, resolvemos utilizar os recursos indiscriminadamente, como se não tivesse amanhã, ignorando a sabedoria dos antigos povos que respeitavam o que se tinha disponível na natureza. 

Sem perceber, esses hábitos estão presentes no nosso dia a dia. Quando escovamos os dentes com a torneira aberta, ao sair do cômodo sem apagar a luz, ou mesmo quando trocamos a lixeira certa para separar o lixo. Talvez estejamos em meio a uma mudança de conscientização. 

De fato, nós amantes da cozinha vemos nisso uma oportunidade. Quem nunca viu, por acordar cedo mesmo, ou num acesso de insônia, os estudos na Embrapa para reutilização das sobras dos alimentos? Ou mesmo que nunca soube de uma receita com cascas, ou polpa ou qualquer outro componente que normalmente já não se utiliza mais com frequência? Ou ainda quem nunca ouviu falar que a Fernanda Lima aprendeu com o pai a comer fruta com casca?

A grande verdade é que nossos avós e bisavós sabiam como utilizar tudo o que se podia na cozinha. Aquela água do cozimento da massa é ouro; usar talos, cascas e pedaços de legumes, para, no mínimo, fazer um caldo. As cascas dos camarões e sobras de peixe nos dão pirão, consomê e são cheios de sabor e nutritivos. E as fibras das cascas das frutas? Por que não usamos esses recursos? Por que usar água nova para o cozimento, se podemos usar aquela que já tem sabor? 

Não à toa, já falamos aqui do “nose to tail”. A filosofia “nova” de utilizar o insumo do início ao fim é uma tendência que denota isso. Na verdade, isso nada de novo tem. Já parou pra pensar que nossa carioquíssima feijoada nasceu assim? Ou o cassoulet da nouvelle cuisine? As origens de nossa cozinha brasileira, assim como a culinária de todos os cantos do mundo sempre utilizaram todos os componentes. Não haviam lixeiras, ou sacos plásticos.     

Acredito que quando perdemos nossa intimidade com a comida, perdemos também a mão. A indústria talvez nos tenha feito acreditar que temos demais, podemos jogar fora.

Mas não consigo deixar de me lembrar das minhas avós, que chupavam o pé da galinha ou sempre queriam o olho do peixe, sabendo que aquele alimento era importante. 

Quem sabe com a volta da nossa intimidade não reaprendemos a não jogar tanta coisa fora? Todos os dias temos essa oportunidade, basta começarmos.