Mão de ferro em luva de seda

Revista
Tpografia
  • Mínimo Pequeno Médio Grande Gigante
  • Fonte Padrão Helvetica Segoe Georgia Times

O chef bretão Olivier Cozan

Foto: Divulgação

O chef bretão Olivier Cozan, morador do Rio há mais de 25 anos, casado com a brasileira Ana Carla Tonani e pai de dois filhos, é o grande nome por trás do evento gastronômico Rio Je T’aime, que esteve em Niterói no último fim de semana. Inspirado por suas raízes francesas e pelo profundo amor à culinária, Olivier concedeu uma entrevista a OFLU Revista e contou sobre o início da sua carreira como chef de cozinha, as tendências gastronômicas, a sociedade com a esposa em uma creperia na Gávea, o amor pela família e amigos, suas filosofias de vida e seu passado.

Acabamos de assistir ao sucesso da segunda edição do Rio Je t’aime, desta vez em Niterói, no último dia 24, no Reserva Cultural. Quantas pessoas foram atendidas e qual sua avaliação sobre o evento, entre acertos e possíveis melhorias?   

Foi bom! Foram mais de 7 mil pessoas. Estávamos preparados para receber mais, mas foi um grande sucesso para uma estreia em Niterói. Se melhorar, melhora! Queremos repetir a dose.

Em uma entrevista recente, você enalteceu o profissionalismo do niteroiense, o qual achou até maior que o dos cariocas. Já pensou em montar ou chefiar um negócio na cidade?

Adorei também os chefs de Niterói, são de muito boa qualidade, com profissionalismo e compromisso. Os fornecedores têm pontualidade. Por que não? Depende da oportunidade. 

Muito se fala sobre cozinha saudável (health food), cozinha funcional e vegana. Qual será o futuro da culinária para agradar todos os públicos sem perder identidade? 

A culinária francesa é muito rica em comida saudável. O chef Alain Passard foi o primeiro no mundo a fazer um menu só de legumes com três estrelas Michelin. Sempre se utiliza a base da cozinha tradicional de seu país adaptando às tendências, que, hoje, realmente são mais saudáveis. A França tem feira orgânica desde que sou criança. O Brasil agora deve investir nisso. Estamos à procura de chefs veganos, sim, e fornecedores com produtos orgânicos. Na próxima edição do Rio Je T’aime, vamos colocar mais barracas de produtores. 

Cozinhar é, de fato, um prazer para você? Qual seu prato preferido?  

Comer está ligado ao primeiro prazer da vida. Quando nascemos, estamos ligados ao leite materno, o primeiro prazer gustativo. Cozinhar é retribuir o amor para o outro. Um cozinheiro com muito amor a dar sempre vai ser um excelente cozinheiro. No dia do meu casamento com minha mulher, Ana Carla, na Bretanha, eu fiquei na cozinha para cozinhar para ela, minha família e amigos. As pessoas me achavam um doido por no dia do meu casamento eu ficar na cozinha! 

Após investidas em alguns restaurantes no Rio, no início do ano passado, você e sua esposa abriram a Crepe Nouveau, dentro do Espaço Nirvana, no Jockey Club. A sociedade entre vocês vem dando bons frutos, depois de algumas separações de outros sócios, em quatro diferentes estabelecimentos. O que mudou desta vez? 

Eu abri meu primeiro restaurante com 23 anos na Bretanha e o segundo aos 24. Com 25, abri meu restaurante no Jardim Botânico, de 1994 até 2000. Depois, ele foi para Ipanema até 2009. Sempre fui o único dono. As três consultorias que fiz de 2009 até 2013, infelizmente, não deram certo porque é muito difícil achar gente honesta, que respeite contrato. Não abro mão de respeito aos fornecedores e aos clientes. Trabalho com produtos de qualidade e minha equipe é fiel a meu trabalho. Agora, deu muito certo com a Crepe Nouveau porque minha mulher entende que num barco existe só uma pessoa que segura o leme e que nosso contrato é um contrato de vida e de dar amor para nossos clientes.

Você já comentou que o diferencial da Crepe Nouveau é a massa, feita com uma farinha importada. Fale sobre. 

É uma farinha de trigo sarraceno, 100% sem glúten, ela custa cinco vez mais caro, mas, como eu falei, não abro mão do melhor produto. Por isso, meus clientes confiam em mim há mais de 26 anos.

Seus filhos, inclusive, estavam servindo os crepes no Rio Je t’aime, em Niterói. Para você, qual a importância de manter a família unida (até nos negócios)? 

A gente passa 80% de nosso tempo trabalhando mais que em família. Os meninos ajudam a gente. Como, para mim, a coisa mais importante na vida é minha família e meus amigos, divido com eles esse momento. Louis ficou ajudando no sanduíche, meu outro filho, Jean, ficou dando assistência no controle, e minha mulher ficou como mestre de cerimônia. 

Em 2014, no Rio, inventaram uma nova moeda, o “Surreal”, referência irônica aos altos preços cobrados nos restaurantes, lanchonetes e bares. Ano passado, você assumiu o bistrô da Casa França-Brasil com a ideia de servir comida de alta gastronomia a preços acessíveis. Deu certo? Você mantém a proposta? 

Minha filosofia sempre vai ser igual, pouco importa o lugar, que seja na casa das pessoas, no evento Rio Je T’aime... Nos Jogos Olímpicos, por exemplo, a gente serviu 2 mil pessoas por dia no meu trailer, servindo prato a R$ 20.

Para quantos e quais restaurantes no Rio você presta consultoria atualmente? 

Acabei um trabalho de implantação no Oscar Bistrô, no Leblon. Atualmente, estou conversando com pessoas sobre um novo projeto. Já dei consultoria durante vários anos para inúmeros restaurantes. Hoje, quero me dedicar muito ao Rio Je T’aime. Estamos programando até o final do ano edições em São Paulo, Brasília, Curitiba e mais uma no Rio de Janeiro. Que surpresa de Natal!

Como você se tornou um chef? Por que decidiu vir para o Brasil há mais de duas décadas?

Eu sempre fiquei na cozinha com minha mãe e minha avó porque achava o lugar mais simpático da casa. Com 14 anos, já sabia que queria isso para mim e comecei a trabalhar nos restaurantes. Parei de estudar no nono ano e fui trabalhar em Paris com 18 anos. Em Bordeaux, montei meu primeiro restaurante aos 21. Foi uma escola de vida.

Qual dica daria para quem sonha em ser um chef? 

Os jovens são muito iludidos com a profissão. Você deve levar muita porrada antes de ter maturidade para ser chef. O que é chef? Ter uma mão de ferro numa luva de seda, trabalhar mais que seus funcionários, saber montar uma equipe que trabalha com amor. Estrela não é o chef, é o cliente! Minha dica para ser chef é começar cedo. No Rio Je T’aime, em Niterói, na minha barraca trabalharam comigo meu filho Louis, com 17 anos, e Théo, amigo dele, com 15, nos ajudando. Se começar mais velho, não deve ficar no Brasil, deve viajar o mundo durante uns três anos, ver que o mundo é grande e rico e, depois, voltar para o Brasil e defender a alta gastronomia brasileira com muito orgulho. Minha filosofia: Na vida não existe sorte! Existe trabalho e boas escolhas!