Mais que um jogo

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Formada em Engenharia de Produção na UFF, Isabella Couto venceu uma depressão por causa dos jogos universitários

Foto: Douglas Macedo

Não é só um jogo! Entrar na faculdade é uma das etapas mais importantes e complicadas da vida. Ali, muitas pessoas começam a confrontar com muitas responsabilidades: trabalho, leitura, estágios, provas... Diante de tantas responsabilidades, a atlética (entidade nos cursos que trata da área esportiva, composta e dirigida por alunos) é a oportunidade de ocupar o tempo com mais uma coisa importante, porém, muito divertida, e que lhe trará um ganho social e pessoal enorme. Para muitas pessoas, a melhor parte da universidade são as relações entre as pessoas e as atléticas proporcionam isso.

A identidade que as pessoas têm com as atléticas é como os nossos times de futebol, onde, desde criancinha, alguém nos incentiva a torcer e a vestir a camisa. Mas, dessa vez, os alunos podem construir, podem criar uma entidade. É esse o amor (não existe outra definição) que faz um aluno querer fazer  parte de uma atlética: realizar, administrar, planejar e carregar a galera. Se, pelo nome, você imagina que esse lugar da faculdade é formado apenas por atletas campeões e fanáticos por esportes, está redondamente enganado. Para participar, não é preciso ser nenhum fenômeno em modalidades esportivas. Na verdade, a atlética, além de promover o esporte, tem por objetivo integrar os alunos, seja por competições, jogos universitários ou festas. 

Um desses casos é da Isabella Couto, formada em Engenharia de Produção, ela passou para a UFF em 2011. Vinda de Três Rios, cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro, ela teve muitos problemas para se adaptar à faculdade e a Niterói. No começo, morou sozinha e era muito retraída, até encontrar no basquete e na atlética uma válvula de escape.

“Foi totalmente o meu refúgio. Costumo contar a minha história para todo o mundo porque as pessoas pensam que tudo é bagunça e bebedeira. Sinceramente, quis muito desistir da faculdade. Odiava a UFF e odiava Niterói. Só comecei a gostar de tudo, só me encontrei quando comecei a jogar. Quando encontrei finalmente pessoas que tinham gostos similares aos meus. Se eu não larguei a UFF, se eu não larguei Niterói, com certeza foi por causa da atlética, por causa do basquete e por causa dessa torcida que são os Dragões da UFF.

Marcella Guimarães e Felipe Pinto se conheceram nos encontros esportivos da Veiga de Almeida. Hoje, são pais de Anna Luíza

Foto: Arquivo Pessoal

Eu sempre me emociono porque cheguei a ficar com uma depressão muito séria quando vim para cá, era casa – faculdade e faculdade – casa. Cheguei a um ponto que não dava mais, não tinha prazer onde estava e as meninas do meu time junto com essa torcida me abraçaram de um jeito surreal. O meu rendimento acadêmico melhorou muito depois que comecei a jogar, tanto que, no meu TCC, fiz um agradecimento à atlética”, admite Isabella, que, apesar de formada, não deixou o basquete de lado, e escreveu um artigo que fala justamente sobre o esporte universitário, só que fazendo uma alusão aos Estados Unidos. “Fiz um artigo que fala do envio dos atletas universitários para a NBA. Fiz uma avaliação dos últimos 10 anos, e 80% dos atletas profissionais de basquete lá saíram da NCAA, a liga universitária. A diferença daqui pra lá não cabe nem comparação. Falta muito apoio, incentivo e seriedade de órgãos maiores. Em São Paulo é um pouco mais organizado, mas no Brasil em geral é absurdo. Tem muito preconceito”, lamenta. 

Se envolver nesse universo das atléticas com um mergulho de cabeça é se tornar outra pessoa. Você nunca sairá sem vivenciar alguma experiência única, que, com certeza, fará com que você tenha algumas histórias interessantes para contar no futuro. É o que está acontecendo com Rafaela Guimarães, 20 anos, e Gabriella das Flores, 22, que, juntas com outras alunas da ESPM, criaram um movimento que gerou a primeira mascote feminina no meio universitário no Rio de Janeiro, a Rita. Elas mergulharam de cabeça e, todo dia, além dos estudos e trabalhos, se reúnem para discutir assuntos que envolvam a mascote, que é uma forma de lutar pelo empoderamento feminino nesse meio do esporte.

Rafaela Guimarães e Gabriella das Flores criaram a Rita, primeira mascote mulher do meio universitário do Rio

Foto: Douglas Macedo

“A Rita é mais que um mascote, ela é um símbolo. Foi um jeito que achamos para passar coisas que acontecem com as mulheres, que não dá para passar através do Jacarito, que é o nosso mascote masculino. A partir dela, criamos o ‘gRITA aqui!’, com a Rita em destaque, que é um grupo de mulheres que estão sempre presentes nos eventos da faculdade e no dia a dia para dar apoio às alunas nas situações que só as mulheres se entendem. Esse grupo sempre está com um broche do ‘gRITA aqui!’ nos jogos e eventos, para as mulheres poderem nos identificar caso precisem de ajuda”, explica Rafaela, que faz parte da atlética da ESPM, em que 80% da diretoria é composta por mulheres.

E os amores de faculdade também acabam sendo uma doce realidade nas atléticas. Pode ser o amor de 10 minutos, uma noite ou quatro dias, amor de verão, mas também pode durar muito mais, virar coisa séria, como aconteceu com Henrique Dias e Isabela Teixeira, ambos com 21 anos. Ele cursa Publicidade e Propaganda na UFF e ela na FACHA. Os dois se encontraram nos Jogos Universitários de Comunicação Social, o JUCS, em 2016, em Campos. Lá, passaram quatro dias juntos e, um mês depois, começaram o namoro.

“Depois, em novembro do mesmo ano, tiveram outros jogos em Rio das Ostras e foi no mesmo esquema: Eu viajei com a minha faculdade e ele com a dele e foi super de boa. Nos horários dos meus jogos, ele ia assistir e torcer pela minha faculdade e vice-versa. Com o convívio, no ano passado, eu sabia todas as músicas da torcida da faculdade dele. A gente se conheceu só como torcedores, depois foi um estimulando o outro a ser atleta. Agora, nós dois jogamos basquete e treinamos juntos quando dá. Mesmo sendo de faculdades diferentes, nós fazemos isso e acabamos criando uma certa amizade com os dois times”, conta Isabela.

Stephanie Ferreira (à direita) lembra com carinho da amizade com Magda Ayres (à esquerda), que morreu em 2017 em um acidente de carro. O encontro entre as duas se deu por causa do meio universitário

Foto: Arquivo Pessoal

Para Henrique, o segredo é ter respeito, tanto na torcida quanto no namoro.

“Se você respeita a vontade de quem está contigo, e se respeita o ambiente esportivo, leva as torcidas, as brincadeiras e a rivalidade na esportiva, aí sim tudo vai sair certo. A gente consegue separar bem as coisas. Conheço a galera dela, ela conheça a minha e, assim, nós levamos tranquilamente”, completa.

Indo além, Felipe Pinto e Marcella Guimarães se conheceram em 2012 como alunos de engenharia da Veiga de Almeida. Depois de idas e vindas, formaram uma família, após o nascimento da Anna Luíza. 

“Nos conhecemos em 2012, mas ela me odiava. Ela era diretora da atlética, tinha uma seriedade e eu era um louco que só ia pra torcer, fazia besteira e dava muito trabalho. Só em 2014 ela começou a falar comigo e começamos a namorar no mesmo ano. Em 2015, ela ficou grávida e era muito apegada à atlética, tanto que eles foram dos últimos a saber, pois ela tinha medo da galera se afastar. Pelo contrário, o chá de bebê que fizemos com o pessoal da atlética foi o que mais arrecadou. Saímos com dois carros lotados de fraldas, lenços e utensílios em geral. Ficamos sem comprar nada para a Anna mais ou menos um ano e oito meses”, revela Felipe.

Isabela Teixeira, da FACHA, e Henrique Dias, da UFF, se conheceram nos encontros das atléticas e começaram a namorar

Foto: Douglas Macedo

“É sobre ser abrigo e também ter morada em outros corações, e, assim, ter amigos contigo em todas as situações”. O trecho da música “Trem-Bala”, de Ana Vilela, se encaixa perfeitamente na história de amizade de Magda Ayres e Stephanie Ferreira (20). Magda era uma pessoa que todos gostavam, super alto-astral, uma garota com muita luz, até que, no ano passado, um acidente de carro a tirou deste mundo, algo que comoveu a todos que estão ligados ao esporte universitário no Rio de Janeiro. No entanto, a “estrelinha”, como os amigos costumam chamá-la, deixou o seu recado de se viver intensamente, principalmente os jogos universitários.

“A Magda era uma pessoa apaixonada por isso. Sem os jogos, sem a Facha, sem esse meio universitário, toda essa história de amizade não aconteceria jamais. A gente nem fazia aulas juntas, mas tínhamos uma conexão muito forte e, depois da nossa primeira viagem juntas, nos jogos universitários de 2016, em Rio das Ostras, a amizade se fortaleceu mais ainda porque, nessa viagem, tivemos a oportunidade de nos conhecer mais. Sem dúvidas, nós voltamos de lá renovadas. A conexão ficou fora do normal, foi uma amizade rápida, instantânea e de verdade”, detalha Stephanie, que tatuou no seu braço a frase “Você me ensinou a viver” com um “M” no final em homenagem à amiga.

E quando a paixão pelo meio universitário acaba virando fonte de renda. O exemplo de Katharyne Caiaffa, Vitor Veloso e Leonardo Wieland é uma prova disso. Os três são de faculdades diferentes e se conheceram através dos jogos. A fim de querer mudar o cenário do esporte universitário, decidiram fundar a TEN Esportes, uma startup de gestão esportiva de jogos universitários.  

Leonardo Wieland, Vitor Veloso e Katharyne Caiaffa criaram uma startup voltada aos jogos

Foto: Arquivo Pessoal

“Conheci o Veloso nas reuniões das atléticas. Nunca fui amiga dele nem nada, conhecia mais de vista, pois, quando ele entrou na atlética de engenharia da UFF, eu já estava saindo da atlética do CEFET, mas vários amigos sempre falaram do excelente trabalho que ele realizou no financeiro da atlética da UFF, aí resolvi chamá-lo pra fazer parte da TEN. O Léo eu conheci quando ele ainda era presidente da atlética de Direito da Unirio. Estava apresentando o projeto da TEN, gostei dele e chamei pra fazer parte do time. Somos três apaixonados pelo esporte universitário que se juntaram por esse amor em comum e a missão de levar o esporte universitário brasileiro a nível nacional. Queremos seguir os passos da NCAA (liga americana do esporte universitário) e fazer com que os jovens brasileiros, ao entrarem na universidade, tenham a oportunidade de participar de campeonatos esportivos de alto nível, defendendo suas faculdades”, conta Kattharyne.