Motivo a mais para comemorar

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Nicolas Alves completa 4 anos nesta segunda-feira. Vai ser a primeira vez que a festa acontece no dia 29

Foto: Lucas Benevides

Nicolas Alves tem 3 anos, mas vai comemorar somente este ano seu primeiro aniversário de “verdade”. Isso porque ele nasceu no dia 29 de fevereiro, que aconteceu pela última vez em 2012. "Esse dia 'extra' é adicionado aos anos bissextos para compensar algumas horas que são descontadas de cada ano", explica a pesquisadora de Astronomia e Astrofísica do Observatório Nacional, Josina Nascimento. Resultado de um cálculo matemático, o dia 29 é “só mais um dia” para a maioria das pessoas, mas resta a pergunta: como é nascer e comemorar o aniversário em um dia "quase inexistente"?

Primeiro, é preciso entender como um dia a mais pode surgir a cada quatro anos. Josina Nascimento ressalta que o dia é adicionado para garantir que as estações do ano, como inverno e verão aconteçam sempre nos mesmos meses. “O tempo que a Terra leva para dar uma volta completa em torno do Sol é de 365 dias, cinco horas, 48 minutos e 46 segundos. Se arredondarmos isso para 365 dias e seis horas, vemos que em quatro anos a diferença é de 24 horas, o que representa um dia. Se não fizermos esse ajuste a cada quatro anos, as estações vão mudando de mês”, explica a pesquisadora.

Por não gostar muito de fazer festa no aniversário, Pedro Rodrigues diz que o fato de só ter a data a cada quatro anos acaba ajudando a ficar mais reservado neste dia. Já Marcella Macêdo conta que este ano vai festejar a data em três dias: 28 e 29 de fevereiro, além de 1º de março

Fotos: Arquivo pessoal - Lucas Benevites

Bem antes de Nicolas nascer, a estudante Marcella Macêdo, 19 anos, já começava a viver essa experiência. Para a jovem, entretanto, é uma grande sorte ter nascido em um dia tão especial. “É uma data só minha, poucas pessoas têm a oportunidade de nascer neste dia”, conta Marcela. Em casa, ela atende pelo apelido de “pérola negra”, explica a mãe Janete Macêdo, por já ter vindo ao mundo em uma “oportunidade tão rara”. 

Com a mesma idade de Marcella, o estudante de economia Pedro Rodrigues é mais um “bissexto”, mas conta que nasceu no dia 29 por acaso. Seus pais foram para o hospital no dia 28, mas o parto demorou mais que o esperado e Pedro acabou vindo ao mundo à 1h 35minutos do dia 29 de fevereiro. 

“Meu pai ficou desesperado, ele não queria que eu nascesse neste dia”, conta Pedro, que assim como Marcella diz gostar da data, porém, por outro motivo. “Como eu sou uma pessoa mais reservada, não gosto muito de comemorar aniversário, então eu só preciso fazer festa de quatro em quatro anos”, brinca. 

Também com 19 anos e também nascida em 29 de fevereiro, Talita Jeolás, que nasceu prematura, vê como único problema na data o fato de as pessoas esquecem de parabenizá-la. “Quando o ano não tem dia 29, o Facebook, por exemplo, não avisa que é meu aniversário, então muitas não lembram de mandar parabéns”, diz. Para contornar este "problema", ela desenvolveu um truque: nos anos que não são bissextos, ela altera a data de aniversário na rede social para o dia 1º de março. 

Quando se trata da comemoração de aniversário, os “bissextos” garantem: tem festa mesmo quando não tem dia 29. Mas, em qual dia? Na casa de Marcella, a escolha não é fácil. Seu pai prefere o dia 28, já que é o último dia de fevereiro, mas sua mãe reclama. “No dia 28, ela ainda não tinha nascido, tem que ser no dia 1º de março”, afirma Janete. O resultado? Marcella ganha os dois dias de festa. “Eu sou uma pessoa que adora comemorar o dia do aniversário, então eu comemoro todos os dias que eu puder”, diz a estudante, brincando.

Para a família de Nicolas, a decisão é unânime pelo dia 1º de março, que é também a data de outra comemoração muito importante: o aniversário da cidade maravilhosa. Além do Rio de Janeiro, Nicolas divide seu aniversário "de verdade", no dia 29, com a tia Maria de Lourdes. Este ano, entretanto, o pequeno ganhará uma festa só dele, para comemorar seu primeiro aniversário no "dia certo".  

Para Talita, a escolha não se resume ao dia 28 ou 1º de março. “Eu comemoro no dia que cair no sábado, pode ser dia 2, dia 3, tanto faz, já que não tem dia certo, acho que posso escolher”, diverte-se. Este ano, entretanto, a data tão esperada cairá em uma segunda-feira. Por isso, Talita decidiu comemorar antes do dia 29, para não ter que esperar passar tantos dias até chegar o sábado. “Inclusive, dia 29 eu tenho prova”, conta a estudante. 

Para Pedro, a segunda-feira também vai atrapalhar a comemoração, que deverá ser feita no domingo, dia 28. “Da última vez, foi em uma quarta-feira. Quando eu tinha 8 anos, foi no domingo de carnaval”, recorda o estudante. Apesar disso, a mãe de Pedro está muito animada em poder comemorar o aniversário do filho no dia 29. “Ela só gosta de festejar no dia certo. Ela já tinha até alugado um espaço para fazer uma festa este ano”, conta Pedro. 

Talita Jeolás, que nasceu prematura no dia 29, diz que por conta da data, às vezes, muitas pessoas esquecem de parabenizá-la pelo aniversário

Foto: Lucas Benevides

Esta segunda-feira não será um problema para Marcella, que já planeja começar a comemoração no fim de semana, e celebrar a data três dias seguidos. “O que tranquiliza é saber que da próxima vez o dia 29 cai em um sábado”, brinca Marcella. 

Já na casa da família Alves, a festa de 4 anos do pequeno Nicolas também não será afetada pelas tarefas do dia útil. A família está muito entusiasmada com a comemoração, e já está organizando duas festas: uma na escola e outra à noite, em casa. 

Além da questão da comemoração do aniversário, a “falta” de um dia para chamar de seu pode criar preocupações legais. Quando Nicolas nasceu, seu pai, Juan Motta, foi até a Defensoria Pública descobrir se conseguiria mudar a data de nascimento do filho para o dia 28 de fevereiro. “Minha dúvida era se, futuramente, isso não poderia causar problemas com documentações, como identidade e passaporte, por exemplo”, explica Juan. Essa apreensão não foi só dele, Janete também escutou de muitas pessoas que deveria tentar trocar a data de nascimento de Marcella. 

O vice-presidente da Associação Nacional de Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), Luiz Manoel Carvalho, explica que esta prática é ilícita, já que os cartórios só podem registrar uma pessoa com a data que consta na declaração de nascimento emitida pelo hospital. O responsável pelo Cartório 1° Distrito de Petrópolis garante, entretanto, que o dia 29 de fevereiro é considerado como um dia normal pela lei, e que aqueles que nascem neste dia não enfrentarão nenhum problema com relação a isso.

Juan também teme que Nicolas sofra bullying por conta disso. “Acho que pode acontecer uma tentativa de bullying quando as crianças começarem a perceber que o dia do aniversário dele não tem em algum ano”, diz o pai. Para isso, Juan e Paula, a mãe de Nicolas, já educam o filho neste sentido. “Ele já vai sair de casa orientado a dizer que 'o dia do seu aniversário tem todos os anos, o dia 29 é especial, e só ele tem'”, explica Paula.

 Essa também é a percepção de Marcela, que diz brincando: “Quando eu nasci, até Deus disse 'desce que esse dia é só seu'". Talita revela que nunca teve problemas por conta da data do aniversário, e que o fato já até a ajudou a fazer alguns amigos. “Eu lembro que quando cheguei na faculdade e disse que nasci no dia 29 de fevereiro, uma menina veio logo falar comigo. A gente ficou amiga depois disso”, afirma. Marcela  diz também que o aniversário faz com que as pessoas sempre se lembrem dela. “Nascer no dia 29 vira um ponto de referência. Outro dia minha amiga me apresentou para o namorado assim: 'Essa aqui é a Marcela, do dia 29 de fevereiro'”, conta. 

Para Nicolas, Marcella, Pedro e Talita o dia 29 de fevereiro é muito importante, mas em outras culturas, com calendários distintos, ele sequer existe, como explica Josina Nascimento: “Há calendários lunares e lunissolares. Em todos eles é necessário algum ajuste se for desejado que os fenômenos relacionados ao movimento do Sol ou da Lua se mantenham constantes, mas esse ajuste não acontece da mesma forma. No calendário judaico, por exemplo, que é lunissolar há anos com 12 e com 13 meses.”

A escolha de fevereiro para receber o dia “extra”, ao contrário do que muitos podem pensar, não tem fundamento científico, mas sim histórico. A pesquisadora esclarece que fevereiro só passou a ter 28 dias com Cesar Augusto. Antes, o mês tinha 29 dias, e a cada três anos ganhava 24 horas a mais. “Em 1952, o Papa Gregório XIII instituiu o calendário gregoriano, com as regras do ano bissexto e fez o ajuste do dia a mais em fevereiro, provavelmente porque ele já tinha 28 dias”, enfatiza Josina. 

Esse ano, Nicolas, Talita, Marcella e Pedro não precisarão lembrar seus amigos sobre a data do aniversário ou mesmo se preocupar em escolher um dia diferente para comemorar. E após quatro anos de espera, uma coisa é certa: a última segunda-feira de fevereiro vai roubar toda atenção do fim de semana. E daqui a quatro anos, todos eles terão mais um motivo para comemorar.