O mestre da Vila chega aos 80

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Martinho da Vila criou um álbum que conta a história da agremiação através de seus sambas-enredo

Foto: Divulgação

Devagar, devagarinho, Martinho José Ferreira saiu de Duas Barras e se tornou um dos símbolos do samba e da sua escola do coração: a Unidos de Vila Isabel. Não foi só o povo do samba que ele conquistou. Martinho é um ícone da música nacional e se tornou embaixador honorário e cultural de Angola por promover o intercâmbio cultural entre o Brasil e o país que, na época, estava em guerra. Agora, ao completar 80 anos, lança mais um disco, dessa vez, em homenagem à Vila Isabel, segundo ele, a vila mais bonita do planeta.

Você está celebrando 80 anos de vida, 50 de carreira dando um show! Acaba de lançar o CD “Alô Vila Isabeeeel”, uma homenagem à escola de samba. Como surgiu a ideia desta homenagem?
Este disco foi feito para homenagear os 70 anos da Vila. Pensei em fazer um álbum que contasse a história da escola através dos sambas, então deu um pouco de trabalho. Tive que fazer uma reunião com os compositores para eles apresentarem o que tinham. Acabaram surgindo 57 sambas e, no final, coloquei os 25 que traduzem bem a história da Vila mais bonita do planeta. Se me deixarem, pego os outros e faço mais discos (risos).

Falando em sambas da Vila Isabel, quantos sambas desses de enorme sucesso foram de autoria sua com seus parceiros? Tem algum com destaque maior, aquele seu xodó?
Eu tenho 11 sambas-enredo na Avenida pela Vila. Meus sambas são que nem meus filhos, não tenho um preferido. Tiveram alguns com mais sucessos, como “Carnaval de Ilusões”, de 1967; “Sonho de um sonho”, de 1980; “Pra tudo se acabar na quarta-feira”, de 1984. Uma coisa que me marcou na escola foi ter feito o enredo e coordenado o samba “Kizomba, Festa da Raça”, de 1988.

Esse enredo, aliás, passa também pela sua história de vida por conta da sua chegada em Angola, em 1970. Como que foi sua chegada à África, e por qual motivo você foi a um lugar que passava por uma guerra civil?
Fui contratado por um empresário português, já que, na época, Angola ainda era colônia de Portugal. Por aqui, ninguém sabia o que estava acontecendo lá, eu não sabia de nada, fui como um simples artista contratado. Quando cheguei lá, fiquei sabendo de tudo, que praticamente todos os países africanos estavam em guerras de independência, inclusive Angola. Tive que fazer dois shows, o primeiro foi numa parte destinada aos negros, o outro numa parte destinada às pessoas brancas. Como gostaram dos dois shows, pedi para fazer mais um, só que, agora, com todo o mundo misturado, e aceitaram. Reconhecem até hoje que aquele momento foi importante.

 Essa mistura com Angola acabou trazendo a vitória do samba de “Kizomba, Festa da Raça”. Quando você viu que o primeiro título da Vila Isabel saiu de uma história assim, como você se sentiu?
Ficou na história do carnaval. Cinco anos depois da independência de Angola, em 1980, o governo percebeu que o povo estava sem diversão e me chamaram como embaixador para fazer uma grande folia, um carnaval mesmo. Botei um monte de gente dentro de um avião e fomos, até o Chico Buarque estava no meio. Depois, fizemos uma contrapartida e organizei tudo aqui no Brasil para alguns artistas angolanos tocarem aqui, fiz o famoso meio de campo entre Brasil e Angola.

Quem não te conhece, pensa que você não para! 80 anos a todo vapor, como você faz para produzir tanto? Qual o segredo para não perder essa energia e alegria?
Realmente são muitas coisas que me envolvem, mas não largo mão do meu tempo de descanso. Acordo todo dia só ao meio-dia e jogo um xadrez no computador, que prometi que só vou morrer depois que ganhar dele (risos). Planejar, escrever e compor, só faço de madrugada. A noite é silenciosa, tranquila, pouca gente me procura e aí as coisas fluem melhor. Eu me divido entre Duas Barras, no interior, e Barra da Tijuca. Eu gostaria de morar mais lá em Duas Barras e vir ao Rio de Janeiro passear ou só de acordo com as necessidades, só que acontece o contrário.

Pouca gente sabe, mas você cria alguns animais na sua fazenda em Duas Barras. Esse é o seu maior hooby?
 Tenho uma fazendinha, não chega a ser uma fazenda gigante. Tenho um pouco de tudo: boi, cavalo, galinha, ganso, pato, peixes no laguinho que tem lá... Gosto muito dos meus bichinhos. Meu objetivo foi ter um espaço para meu lazer, descansar, trocar uma ideia com a família e amigos. A vida de artista é muito corrida, imagina pra quem viveu isso por 50 anos!? Não tenho mais pique para muitas coisas, tanto que os meus dois últimos sambas pela Vila foram porque amigos me pediram, em 2010 e 2013.