Olhar além do óbvio

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Andréa Carvalho está à frente de uma empresa com faturamento anual de R$ 1,2 milhões

Foto: Divulgação/Jorge Oliveira

Uma mulher, um sonho, muito planejamento, estudo e perseverança. A primeira exportação dos “papéis plantáveis” foi em 2012 para Portugal, para um banco angolano. Depois vieram a Suíça e a Alemanha, em 2014. Nove anos depois, a Papel Semente, empresa sediada em São Gonçalo e presidida pela niteroiense Andréa Carvalho, lança seu e-commerce na França para atender toda a Europa. A Papel Semente tem, atualmente, um faturamento anual de R$ 1,2 milhões. No início, produziam três mil folhas gráficas por mês (formato 66x96cm). Hoje, produzem 10 mil e com condições e estrutura de triplicar esse número. A empresa atende todo o Brasil, é 100% sustentável e reúne os selos “Verde”, do Instituto Chico Mendes; e “Empresa B Certificada”, do Sistema B (certifica empresas que unem lucro e impacto social). Para tanto, segue altos padrões de performance e é avaliada em cinco principais áreas: modelo de negócios, comunidade, meio ambiente, governança e funcionários, que fazem dela uma empresa boa para o mundo.

Ser uma mulher empreendedora deve ter multiplicado suas dificuldades, ainda mais no início. Fale sobre o fato de você ser tão engajada na causa.
Ser empreendedora e ser mulher é se dividir entre seu negócio, sua família, marido e filhos, seus amigos, vida social, e você mesma. A vida é, justamente, encontrar a harmonia entre esses pontos. Quando você decide trilhar esse caminho, essa busca, as coisas vão se encaixando e a conta deixa de ser “dividir” e se transforma em “multiplicar”. A causa do empreendedorismo feminino é da minha memória afetiva: depois de viver por quase dois anos em um relacionamento abusivo e violento, o empreendedorismo me salvou. Isso acontece com muitas mulheres. A hora que começamos a produzir e ganhar nosso dinheiro, nos fortalecemos e, junto, também “ganhamos” a opção de novas escolhas.

De onde surgiu a ideia de criar uma empresa de papel reciclado?
Iniciei como voluntária em uma instituição que fazia papel reciclado artesanal com a comunidade em torno de um lixão da cidade onde morava. Quando decidimos voltar à minha cidade natal, Niterói, começamos a pensar o que faríamos por aqui. Paulo Candian, meu marido e sócio, viu uma ação que utilizava o papel semente da Honda na Inglaterra. Pesquisamos e vimos que, no Brasil, não havia ninguém produzindo, ou seja, um prato cheio para empreendedores. Enquanto outro papel após ser usado/lido vai para o lixo, ocupando um lugar nos aterros e lixões, o papel semente, depois de lido, depois de ter transmitido a mensagem, pode ser plantado e dele brotar uma flor ou até uma verdura para a salada. Temos um produto que tem vida. 

A empresa compra papel para reciclar da cooperativa de catadores da ONG Guardiões do Mar, na qual todos os funcionários são da comunidade local de Guaxindiba

Foto: Divulgação/Jorge Oliveira

Qual a tecnologia ecológica por trás do papel semente e como é sua gestão?
Quando começamos, uma pequena obra nas instalações da fábrica recebia de 30 a 35 currículos por dia, sem qualificação. Percebi que poderia desenhar a gestão da empresa como sustentável e realizar um trabalho naquela comunidade. A primeira expectativa de minha empresa naquele local foi de emprego. Isso me tocou profundamente e, aí, criamos um programa de geração de emprego e renda na comunidade. Pensamos no produto como um todo. Compramos papel para reciclar da cooperativa de catadores da ONG Guardiões do Mar, na qual todos os funcionários são da comunidade local de Guaxindiba. Temos circuito de água fechado no processo da reciclagem. Reaproveitamos a água, as tintas são todas à base de água, as impressoras são todas abertas e alteramos o padrão para que recebam a impressão em papel semente, além de as sementes serem todas certificadas. A Papel Semente trabalha com matéria-prima reciclada e produz seu produto a partir de restos de aparas de papel de gráficas e de papéis jogados fora por empresas e residências. Quem coleta esse material é a Recooperar, cooperativa de catadores de itens recicláveis que faz parte da ONG Guardiões do Mar. A parceria, além de apoiar a geração de renda e trabalho para muitos catadores, colabora para a limpeza e preservação das praias, rios e lagoas das cidades de São Gonçalo e Niterói. As sementes utilizadas em nosso papel semente são certificadas e registradas no Registro de Sementes e Mudas do Ministério da Agricultura (Renasem).

Fale sobre a exportação da empresa para a Europa.
Começamos a exportar por demanda do mercado. Por incrível que pareça, nós, pequenos empreendedores, normalmente não colocamos em nosso planejamento estratégico o mercado externo. E eu não fui diferente. Mas, como houve um fluxo bom, pessoas nos procurando, fui fazer cursos de capacitação para comércio exterior e, nos últimos três anos, preparamos a empresa para o mercado externo. Logística, embalagens e tipo de sementes que nascem e podem ter entrada no país destinatário. Na Europa, trabalhamos baseados em testes que realizamos e por diferenciação climática. As sementes mudam bastante em relação às opções que temos aqui.

Cite os produtos que a Papel Semente produz, para além do papel reciclado com sementes.
A folha de papel semente é base para todo o resto: fôlderes, cartões, convites de casamento, crachás de eventos, cartão de visitas, flyers promocionais, envelopes, catálogos, tags para vários serviços e produtos como roupas, acessórios, objetos... Nosso produto é ideal para ser associado a empresas, eventos, ações promocionais, produtos e serviços que se identifiquem com a causa ambiental ou desejem se posicionar no mercado de forma sustentável.

Quais suas metas para o futuro da Papel Semente? O que ainda falta conquistar?
Crescer ano a ano. Continuar gerando emprego, ser referência em sustentabilidade. Não é simples as empresas mudarem o mindset para um produto que tenha valor agregado e passar a consumir esse produto em suas rotinas. O caminho se faz caminhando e acreditamos que estamos trilhando o melhor caminho.