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Aluna de Cinema da UFF foi destaque na primeira edição do Prêmio Rio de Literatura com “Amores Monstruosos”
Foto: Lucas Benevides
Ela tem 28 anos, é aluna de Cinema da UFF e, no fim de junho, foi destaque na primeira edição do Prêmio Rio de Literatura com “Amores Monstruosos”, onde ganhou, entre 600 inscritos, uma menção honrosa. Segundo Clara Ferrer, a obra, em formato de contos, foi escrita sem pretensões de ser publicada e estava desde 2014 “guardada nas profundezas das pastas do computador”. O fato é que a obra saiu das profundezas dos arquivos para cair nas graças do júri. Resultado: o livro ganhará tiragem de 500 exemplares.
Qual foi sua reação quando anunciaram a menção honrosa no prêmio rio de literatura?
Eu estava vendo um filme em uma sala de aula lotada quando fiquei sabendo, por uma mensagem que uma conhecida mandou me parabenizando, então tive que me conter por um bocado de tempo. Provavelmente foi o filme em que eu prestei menos atenção em toda a minha vida. Depois que filme terminou, o que eu quis fazer foi compartilhar a notícia. Então, contei para os amigos que estavam na aula comigo e, depois, fiz um post no Facebook com uma foto da reportagem sobre o resultado que saiu no jornal. Para os meus pais, recortei a reportagem e deixei no quarto deles. Foi divertido acompanhar as reações, porque acho que a maioria das pessoas nem sabia que eu escrevia. Foi surpreendente para todos - especialmente pra mim.
Qual foi sua inspiração em “Amores Monstruosos”? Como surgiu a ideia?
Bem, “Amores Monstruosos” é uma coletânea de contos escritos aos poucos, entre outros trabalhos, ao longo de mais de um ano. As inspirações são várias. Em “Um amor que se consuma nas rachaduras da materialidade”, que fala do relacionamento entre uma mãe e sua filha adolescente que está apaixonada por um monstro que vive num buraquinho no chão, a inspiração foi um buraco no meio da rua. Acho que devo ele à prefeitura. Em “As doze irmãs”, a inspiração foi um conto dos irmãos Grimm. Já “Apenas o eu que existe em você seria capaz de amar o você que existe em mim”, que é uma brincadeira com as disputas entre um casal de escritores, surgiu quando comecei um relacionamento com um cara que escrevia também. E por aí vai...
Estes contos têm algo em comum?
Creio que há duas coisas que unem meus contos. Uma dessas coisas é o universo em que estão situados, um universo surreal, atemporal, cheio de excessos e distorções, que mistura as banalidades do cotidiano com o encantamento dos contos de fadas, rodoviárias sujas com jardins mágicos, monstros com estudantes universitários. A outra é que todos eles falam de mulheres existindo de um jeito que acredito não ser possível no nosso mundo. Mulheres, poder, paixão, monstros.![]()
“Amores Monstruosos” ganhará tiragem de 500 exemplares como consequência da menção honrosa que Clara Ferrer recebeu no Prêmio Rio de Literatura
Foto: Lucas Benevides
Você já tinha o hábito de escrever?
A minha primeira poesia foi inventada antes mesmo de eu saber escrever. Eu recitei para os meus pais e minha mãe anotou num caderninho. Depois disso, não parei mais, e escrevi tudo o que você pode imaginar, romance infantojuvenil de aventura, fanfic, artigos para blogs, cobertura de eventos... No começo, acho que eu escrevia porque era muito incentivada pela família, os professores, os amigos dos meus pais. Os adultos ficavam impressionados com uma criança que escrevia e eu provavelmente gostava dessa atenção. Depois, passei da idade de ser tratada como criança prodígio, mas continuei escrevendo, para mim mesma, acho que porque isso tinha se tornado parte da minha identidade.
O curso de Cinema da UFF contribuiu para a sua escrita?
Antes de entrar no curso de Cinema, acho que estava com o espírito muito embrutecido. Ensino médio, vestibular, faculdade, trabalhar como geóloga em mineração, essas coisas podem fazer a gente perder a sensibilidade, o contato com nós mesmos, o desejo e o orgulho de criar. Acho que o cinema me colocou num ambiente favorável para eu recuperar a minha sensibilidade e perceber que ser “artista” é, de fato, um trabalho possível e legítimo.
Quais autores você admira?
Eu gosto de ler qualquer coisa que me toque, me transforme, que me ofereça as palavras certas para descrever alguma verdade sobre o mundo de um jeito simultaneamente poético e preciso que eu nunca tinha imaginado antes. É difícil nomear favoritos, mas acho que, se você olhar a minha estante, os vencedores são Gabriel García Márquez, Virginia Woolf, Truman Capote. Mas eu tenho fases. Numa época eu só queria ler escritores africanos ou orientais, agora estou investindo em ler mulheres - Karen Blixen, Simone de Beauvoir, Gertrude Stein, Alice Munro, Djuna Barnes...
Esta 14ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty homenageou a poeta Ana Cristina Cesar. Antes dela, somente uma escritora havia sido homenageada: Clarice Lispector. Você percebe um movimento de incentivo à produção literária feminina?
Acho que, mais que um movimento de incentivo à produção literária feminina, o que estou vendo ultimamente são mulheres reivindicando mais representação e representatividade em todas as áreas. Nos últimos anos, vi surgirem prêmios para financiar filmes dirigidos por mulheres, prêmios para roteiros escritos por mulheres, equipes de filmagem constituídas exclusivamente por mulheres, mulheres tomando as ruas pra falar sobre cultura do estupro, protestando contra a ausência de mulheres no governo Temer, contra o machismo no cinema, na literatura, na televisão, na publicidade, na igreja, na família, no governo, na escola, nos homens ao seu redor. E acho que, quanto mais essas mulheres aparecerem, mais mulheres vão surgir, porque elas vão perceber que isso é possível, vão perceber que as coisas a que somos submetidas todos os dias não são naturais e que podemos mudá-las.
Estas questões de gênero são abordadas no seu livro também?
Com certeza. Acho que, por trás de todos esses contos, há essa sensação de que eu mesma, e todas as mulheres que conheço, não temos espaço para existir plenamente. No universo dos meus contos, esse espaço existe.
Na sua opinião, o que falta para disseminar ainda mais a leitura entre as crianças e jovens?
Pra mim, a resposta é simples: eu queria ler livros porque a minha casa sempre foi cheia de livros. Via meus pais com a cara enfiada em livros e queria ver o que havia ali de tão interessante. Então, se você quer que seus filhos leiam e tenham prazer com a leitura, deixe que seus filhos vejam você lendo e tendo prazer com a leitura. Se você acha que não tem tempo ou disposição pra ler, a chance é que seus filhos achem a mesma coisa.
Para quem irá dedicar o seu primeiro exemplar?
A todos os adoráveis meninos que já partiram meu coração, a todas as maravilhosas mulheres que me ajudaram a catar os pedaços e ao homem que os colou. Mantenho a dedicatória.
Sobre mulheres, poder, paixão e monstros
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