Tribos Urbanas

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Para Vitor Lopes, a música pop não é só entretenimento, também é crítica social

Foto: Arquivo Pessoal

Desde os anos 80, quando a classificação “tribos urbanas” surgiu através de estudos sociológicos e chegou ao grande público via meios de comunicação de massa, a música tem se colocado como um dos elementos de conexão de identidade entre as pessoas. A cada geração que passa, podemos ver bandas e artistas que influem de alguma forma no comportamento dos indivíduos, que, por sua vez, reconfiguram de tempos em tempos os padrões e tendências de consumo e expressão.

Hoje, com o mundo conectado e em acelerado processo de convergência tecnológica, as “tribos” ganharam uma estrutura muito particular, fazendo com que o desdobramento de estilos musicais como rap, metal, indie e pop demandem do observador uma aproximação cada vez mais intensa para o entendimento. 

Representante do rap, Jonathan Oliveira, de 22 anos, é conhecido no meio como Jovem Cia. Apesar da “febre” rap ter sido reavivada atualmente com as rodas e batalhas de rima, Jonathan compartilha de um formato mais solitário, em que ele usa a música como objeto de reflexão.

“Sempre busco músicas do gênero que mais se aproximam da minha realidade, acaba que isso reflete no som que faço. Tento espremer o máximo do que é, e da minha verdade em cada rima. Minha inspiração vem de tudo o que faço, desde uma leitura ou uma cena que vejo acontecendo no dia a dia. Ultimamente, tenho mesclado minha vivência de hoje com algo do meu passado, resgatando certas lembranças e as deixando eternizadas na música”, explica Jonathan, que classifica seu estilo de rap como “boom bap”, um gênero que possui uma batida similar ao rap clássico. Antes mesmo de pensar em cantar, já tinha como ídolo o rapper paulista Emicida e, hoje, o considera como sua principal influência.

“Na época em que comecei a ouvi-lo, via em sua rima algo que não vi nos raps que faziam parte do mainstream, foi o que me abriu os olhos para o rap nacional e me fez começar a entrar de cabeça na cultura. Comecei a cantar em 2014, nos tempos de colégio, mais precisamente no ensino médio, com o auxílio de um amigo que mexia com uns programas. Nos unimos até mesmo pelo nosso gosto musical, que era muito parecido na época, e, junto da minha vontade de passar o que vivia e sentia, iniciei uma carreira um pouco despretensiosa, pois fazia por hobby. Hoje, vejo o tamanho da importância disso para mim e já tenho como certeza que quero levar pra toda a minha vida”, confessa o rapper, que acredita que o gênero foi o responsável por forjar quem ele é hoje, moldando seu jeito de pensar e agir.

“Me tornei uma pessoa mais tranquila, que pensa mais nas pessoas e não só no meu eu. Meu agir mudou conforme fui mudando meu pensamento. No meu jeito de falar – com muitas gírias e gestos – e no modo de me vestir fica bem nítido que eu sempre estou buscando inspirações. Mesmo não querendo buscar estereótipos, acabamos nos espelhando nos pioneiros do movimento ou com algo que algum rapper da mídia usa. É quase que inevitável”, admite.

À frente, Rodrigo Sodré, vocalista da banda Phunkturm, que se autointitula representante do “metal pós-90”, com influências do hardcore, do rapcore, do crossover e até do nu meta

Foto: Douglas Macedo

Tão revolucionário quanto o rap, o metal é responsável por uma “cena” também muito consistente, que contempla fiéis seguidores de todos os gêneros e subgêneros. Para figurar a vasta diversidade musical que o estilo continua a agregar, Rodrigo Sodré é vocalista da banda Phunkturm, que impressiona pela originalidade e, principalmente, pelo longo nome do subgênero que tocam: RapMetalHardcoreHipHopRocknrollRagaa.

“A gente é uma mistura de vários estilos de som que se consagraram e se misturaram nos anos 90, e são justamente esses. Como o nosso som se assemelha ao nu metal, porém incorporamos alguns outros elementos que não aparecem nesse estilo, nos autointitulamos de ‘metal pós-noventa’. Comecei a ter contato bem no meado dos anos 90, com as bandas cariocas de rapcore, como o Poindexter, Los Cabelos Duro e o próprio Planet Hemp, o Pavilhão Nove, que já vem de São Paulo, o Chico Science e Nação Zumbi, que são um divisor de águas, e todo o movimento Mangue Beat. Mais tarde, apareceram outras influências, como Korn, Limp Bizkit, Deftones, Faith No More, Pantera, Guns N’ Roses, Alice In Chains, Down e por aí vai”, lista.

Nas músicas, Rodrigo canta um ritmo que em alguns momentos se assemelha ao rap, juntamente do arranjo acelerado da guitarra, baixo e bateria. Só que, nos refrãos e nos momentos de frases de maior impacto, ele progride ao gutural – técnica vocal que produz um som rouco e grave, característico dos estilos mais “pesados” do metal. Nas letras estão presentes reflexões sobre diversos campos, desde política e sociedade até temas mais viscerais, como relacionamentos; causa e consequência; dúvidas e fé.

Estilos como o RapMetalHardcoreHipHopRocknrollRagaa fazem parte da cena underground do metal. Em shows de estilos como o hardcore, deathcore, grindcore, e suas variações, um ritual peculiar dos presentes chama a atenção: o mosh pit. O mosh é um momento do show em que a massa se posiciona em forma de círculo no ambiente e alguns participantes se dirigem ao centro em uma dança constituída de movimentos circulares que mistura empurrões, golpes marciais – socos, chutes e joelhadas – e acrobacias – “estrelinhas” e saltos. Um frequentador de mosh, que viveu o tempo áureo dos eventos na cidade de São Gonçalo, é Gustavo Flávio, de 27 anos. 

LS, representante do trap, e Jonathan Oliveira, o Jovem Cia, representante do boom bap

Foto: Evelen Gouvêa

“A primeira dança identificada como mosh pit surgiu durante um show da banda punk ‘Bad Brains’, onde o vocalista havia mandado as pessoas se separarem e gritou: ‘Mash it up!’. Porém, devido ao forte sotaque jamaicano, a plateia entendeu “mosh pit”, daí surgiu o nome e a prática”, explica Gustavo, que considera o ato de “moshar” o mesmo que se sentir livre. 

Sua relação com o underground começou bem cedo. Com apenas 12 anos, ganhou um skate velho de presente, que ele diz não ter imaginado que mudaria sua vida para sempre.

“Posso te dizer que eu sempre escutei de tudo um pouco, passando do independente, folk, post punk, crossover, grind, slum, até o metal extremo. Em São Gonçalo, não fui o primeiro, mais fui o que mais motivou o crescimento da cena na cidade. Mostrava o material para a ‘molecada’, que, quando eu ia para alguns shows e tinha alguma banda do estilo mosh pit, não entendiam nada. Só com o tempo foram mudando de opinião sobre o estilo. Com o tempo, tivemos várias desavenças, muitos ‘roqueiros’ não gostavam da gente, quase sempre tinha confusão nos eventos. Chegamos a criar uma “crew” na época, a antiga Dead Gangster Mosh Crew (DGMC). Uma época boa e, ao mesmo tempo, turbulenta”, lembra o roqueiro, que, para evitar maiores problemas, resolveu encerrar formalmente a ideia do grupo. Apesar do fim, ele admite que o DGMC está vivo em seu coração.

Com raízes mais brasileiras, o pop nacional tem ganhado uma nova roupagem. Fortes referências à cultura afro e ao movimento LGBT fazem parte das composições, que possuem a função de “grito” das minorias por respeito à pluralidade e por uma sociedade mais democrática. Guilherme Campos, de 26 anos, é tanto um apreciador do estilo quanto defensor dos ideais compartilhados pelos representantes, que ele adotou como ídolos.

“O pop, por ser um gênero ‘popular’, tem uma função importante de dar voz às pessoas. O pop tende a ser muito influenciado pelo que acontece no mundo de tempos em tempos e, atualmente, a gente tem tido um aumento de voz para as minorias. Tem se debatido mais sobre todos os tipos de preconceitos e as pessoas não querem mais se omitir. Com isso, o que vem acontecendo é uma ‘popzação’ do que antes era marginalizado – incluindo o funk”, ressalta Guilherme, que diz “respirar” não só música pop, mas, sim, cultura pop em geral – filmes, HQs, jogos, memes.

Segundo ele, o que hoje se manifesta como “geração tombamento” nas redes sociais, com forte influência da produção artística nacional, não busca “causar” apenas por “causar”. Se viu também, neste contexto, uma oportunidade de ser visto, de ser respeitado, de ter a certeza de que ninguém está desamparado. 

“A música pop é um ponto de ‘conversa’ em que a gente pode apresentar novas visões para mentes mais fechadas. A aceitação da Pabllo Vittar por grande parte da população é um exemplo disso. Hoje, grande parte dos jovens e adultos consome isso e estão incluídos em grupos que vivenciam essa arte pop de maneiras diferentes. Por eu fazer parte de várias minorias que me representam atualmente na música pop, acabo tendo uma ligação muito forte com grandes vozes como a Iza, Pabllo, Glória”, comenta.
O estudante de jornalismo Vitor Lopes, de 20 anos, também diz respirar pop. Para ele, o gênero, tanto o nacional como o internacional, não é só entretenimento, também é crítica social, política e muita vivência.

“Nem sempre é só uma batida forte pra balada. Meus representantes favoritos do pop internacional usavam, e ainda usam, a música e influência para tratar de assuntos sérios, fazem com que as pessoas despertem um pensamento crítico através da música”, analisa Vitor, fortemente influenciado pelo pop em seu estilo de vida. “Sou um ‘doente’ admirador do pop internacional, desde Madonna a Dua Lipa. Acompanhando toda a influência que o pop brasileiro sofreu pelo internacional, acabei finalmente me identificando com o resultado dessa mistura. Eu, em particular, amo música e moda. E realmente não há como negar que ambos sempre caminharam juntos. Acho que acabam se complementando. Por ser fã dos dois, acabo sempre trazendo muitas das vezes involuntariamente referências que me agradaram para o meu cotidiano”, reconhece.

A banda Warmest Winter, representante local da música indie

Foto: Marcelo Feitosa

Talvez o mais difícil de se definir, o indie gera dúvida até em quem curte e entende do assunto. No geral, é uma abreviatura da palavra inglesa independent, e é atribuído a inúmeros movimentos artísticos, mas é com a música que, nos anos 2000, ele encontra um espaço mais sólido na indústria cultural. Luiz Felipe Leão, de 21 anos, estudante de Cinema e Audiovisual da UFF, é um grande fã da banda americana The Strokes, que também foi a responsável pelo seu primeiro contato com o estilo.

“Quanto eu tinha 15 anos, estava apenas andando por uma loja de discos quando me deparei com a capa de ‘Angles’, dos Strokes, na sessão de ‘novidades’. Eu não comprei o álbum naquele momento, mas aquela arte do álbum ficou na minha cabeça por dias. Eu até tinha voltado na loja pra procurar alguma informação sobre, mas o disco já tinha sido vendido, então, comecei uma busca na internet sobre o álbum. Obviamente, não foi tão difícil achar, dada a popularidade da banda. Baixei o álbum e, quando coloquei pra tocar ‘Machu Picchu’, que era a primeira faixa, foi amor à primeira vista. A partir daí, foi descobrir um mundo novo. The Strokes foi a porta de entrada de tudo isso”, relata Luiz, que também explica o porquê: “O indie fala sobre temas densos de todos os tipos, entre diversas outras coisas, mas fazendo essa brincadeira de trazer uma melodia que quer dizer exatamente o contrário. É sentir a felicidade na tristeza e, ao mesmo tempo, lutar contra isso. O indie brinca com a reflexão, principalmente a autorreflexão”.

Apesar de normalmente atribuírem a imagem de “hipsters” ao público indie, Luiz e sua amiga, Alexia Guimarães, não se consideram como tal. Luiz brinca que, no momento em que alguém se intitula hipster, acaba deixando de ser. Alexia vai mais fundo. Segundo ela, além de não influenciar seu estilo de vida, ela não sente a necessidade de se enquadrar em um grupo. Apesar disso, frequenta os espaços dedicados ao indie.

“Minha banda favorita é Franz Ferdinand. Fiquei apaixonada quando fui num show deles em 2014. É fácil encontrar espaços indie tanto aqui quanto em São Paulo. Por serem grandes capitais, estabelecem um contato maior com esse mundo um pouco mais independente em forma de shows e festivais. São centros urbanos com muitas casas noturnas, sempre tem festa com pistas que tocam indie ou festas totalmente voltadas para o estilo”, esclarece Alexia.

Tiago Duarte, de 27 anos, é vocalista da banda independente Warmest Winter, que surgiu inicialmente com uma proposta de fazer um som com influências de Joy Division, Jesus and Mary Chain, Siouxsie and The Banshees, mas, com a chegada de novos integrantes, as influências foram se expandindo. 

“Nós temos um diálogo musical muito grande. Basicamente, nós quatro amamos música, e não só rock. Creio que todos nós temos um amor bastante grande pela MPB, por artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Belchior, Elis Regina, Tim Maia, João Gilberto, Jorge Ben, Os Mutantes, Milton Nascimento, Clube da Esquina, além disso, todos nós somos fãs de rock clássico. Eu adoro jazz e hip-hop, vivo ouvindo Miles Davis e Kanye West, por exemplo. Além disso, tenho buscado conhecer mais de todos esses estilos. Tenho 27 anos, e uma vida inteira pela frente para apreciar música. Agora, eu reconheço que parte considerável dos meus amigos não compartilha dessa paixão e dessa curiosidade por música que eu, com poucas exceções, é claro. Felizmente, os membros da Warmest Winter também amam música como eu”, conta Tiago, que, além de músico, também é doutorando em Antropologia pela UFF.

Segundo ele, o fenômeno indie faz parte de um processo de formação de identidades distintas em um contexto urbano.

“As pessoas buscam construir suas identidades a partir de vários fatores culturais. Há grupos que se reconhecem e se mantêm baseados em identidades étnicas, outros em identidades religiosas, outros pelo futebol, e nós, enquanto participantes dessa sociedade, circulamos entre diversos desses grupos. A atração por grupos e artistas não populares vem dessa autoidentificação, e o compartilhamento desses gostos mais distintos vem desse desejo de inserção em um grupo”, explica.