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Wallace de Deus está à frente do Museu do Ingá, na Zona Sul de Niterói, que faz parte do Circuito de Museus da Boa Viagem

Foto: Douglas Macedo

Aos 55 anos, Wallace de Deus é professor do curso de Produção Cultural da UFF. Recentemente tornou-se o nome à frente do Museu do Ingá, na Zona Sul de Niterói, que faz parte do Circuito de Museus da Boa Viagem. O prédio, que tem 157 anos e já foi palácio do governo, hoje tem como meta, mesmo com a atual crise financeira, ressignificar o espaço de modo que a população o frequente periodicamente, incentivada por uma vasta programação cultural gratuita.

Você foi curador do Museu Janete Costa de Arte Popular e agora é Diretor do Museu do Ingá. Como foi a mudança?

Estive até o início de 2016 no Janete Costa, que integra o Circuito dos Museus da Boa Viagem, composto também pelo Museu Antônio Parreiras, Solar do Jambeiro, MAC e o Museu do Ingá, que agora faço parte como diretor e que está na mesma rota destes aparelhos culturais. A transição foi um processo muito bacana, pois, na verdade, a gente conjuga todo um investimento profissional que passa também por minha atuação na universidade. A vantagem é que, com essa integração entre a UFF e os equipamentos (culturais), a gente espera conseguir a visitação e o sentimento de pertencimento pela população.

Sua nova casa foi palco de muitos acontecimentos para Niterói. Como é trabalhar em um cenário histórico?

O Museu do Ingá foi o palácio do governo. Na época em que Niterói era capital do estado, antes da fusão, era aqui que se situava o centro do poder. O prédio do museu nasceu em 1860, como propriedade de um médico chamado José Martins Rocha. Com sua morte, em 1896, o prédio foi vendido para o Visconde de Agrolongo, que transformou o imóvel em palacete. Em 1903, através de um campanha pública, Nilo Peçanha consegue comprar a propriedade para transformá-la em palácio de governo. Na entrada do museu há uma placa com a frase “A casa do povo”, que representa o espírito com o qual o espaço foi criado. Esse é o nosso desafio, ressignificar o local de modo que o povo se sinta presente.


Quando o público estabelece uma relação com o espaço, cria-se um hábito que leva o visitante ao local, mesmo que ele não saiba a programação em cartaz. Como estabelecer esse vínculo?

Este é o desafio que já havíamos enfrentado no Janete Costa, e é o mesmo que todos os espaços enfrentam, que é atrair as pessoas para a história e acervo do equipamento cultural, que é o que temos de melhor a oferecer. Nós queremos criar esse mecanismo que estabeleça a cultura da visitação. Retomamos agora, com o início do ano letivo, o projeto do Cine Clube, que consiste na exibição de um filme gratuito semanalmente com distribuição de pipoca e suco. Após a projeção, realizamos um debate sobre o tema apresentado para reflexão do coletivo.


Como é a relação do museu com a comunidade local? 

Nós temos feito um empenho de diálogo com nosso entorno, a comunidade do Palácio. Já realizamos três visitas técnicas ao Maquinho por dentro do Morro do Palácio e guiadas pelo pessoal da Associação de Moradores, onde eles próprios nos contam um pouco da sua história, com seu mapa afetivo e referências. A partir daí, começamos uma aproximação e resolvemos fazer um evento que já estamos na terceira edição e retomaremos em abril: uma feira cultural. A iniciativa resgata o antigo sentido das quermesses do interior com música, barraquinhas, comida e bebida e um leilão no final com itens doados entre alimentos e obras de arte locais.


O que mais acontece no Museu do Ingá e que a população pode usufruir?

Temos oficinas de gravuras, escultura, cerâmicas e papel. Essas oficinas fazem parte do projeto inicial do museu e proporcionam um espaço de experimentação artística e vivência. Não é necessariamente para as pessoas se tornarem artistas, embora alguns até se tornem, mas, sim, um espaço de sensibilização. Desenvolvemos também projetos infantis amparados por nosso setor educativo, que promove uma série de atividades que dialoguem com as exposições.

Com a atual situação econômica, como garantir a guinada desse processo e realizar a manutenção do espaço?

Nós sabemos a situação em que o Estado vive, que é também uma realidade nacional e atinge a cultura de uma forma mais impactante que em outros setores. A não ser que se tenha grandes patrocinadores ou parcerias, a cultura é a primeira sacrificada neste quadro de crise. O Museu do Ingá espelha um pouco isso, embora seja imponente e bonito, está precisando de uma grande reforma, além da revitalização imaterial que estamos proporcionando.

Como seria o formato de gestão para esses tempos?

Apesar de toda essa instabilidade política que a gente vive, nós temos o grande apoio da Superintendência Estadual de Museus. Se pensarmos em termos de políticas de museus, nós estamos trabalhando afinados com essa forma de gestão do Museu do Ingá, que resulta na descentralização de acervo e recebimento de contribuição do interior do estado.

Como funciona este movimento?

É uma espécie de Museu Hub, que acolhe contribuições e expressões artísticas do Estado, mas ele também devolve um pouco daquilo que tem acumulado em termos de história e tradição. Nós realizamos recentemente, através do projeto “Territórios Criativos”, que desenvolvemos com o Professor Guelman da UFF, um trabalho de capacitação e prospecção com o Quilombo do Campinho de Paraty. Neste ciclo, tiramos alguns produtos como vídeos, oficinas e uma exposição que havia sido feita no centro cultural da região. Depois, conseguimos trazê-la para o Museu do Ingá.

Recentemente, o Governo do Estado distribuiu passaportes culturais para a população para entradas gratuitas em diversos museus. As cortesias se esgotaram rapidamente, provando que existe demanda em toda região. Como fazer este “boom” acontecer em Niterói?

Oferecer um cardápio mais variado de atrações, que permita a vários segmentos terem o desejo de chegar ao museu e ver o que está acontecendo. Nós também entramos no Passaporte Cultural, porém, como nossa entrada já é gratuita, funcionou como uma boa divulgação da programação.

Essa variedade de atrações contempla manifestações culturais das comunidades locais?

Durante o Mês das Mulheres, realizamos a “Batalha das Musas” com MCs mulheres reunindo todas as facetas do mundo do rap e hip-hop, que contou com a curadoria de Aline Pereira, que desenvolve um papel importante na biblioteca do Engenho do Mato, onde surgiu a Batalha do Conhecimento. O grande desafio é trazer essas expressões para o museu, como fizemos também uma peixada com capoeira do Grupo Ylê Axé de Angola, do Mestre Formiga.

De que forma você vivencia Niterói?

Quando se trabalha com pesquisa, a cultura é fundamental para entender o que acontece na cena. Circulo em Niterói na maior parte do tempo de bicicleta, por uma questão de mobilidade, cultura e saúde. Sou um grande frequentador do Mercado de Peixe São Pedro e apaixonado pelo centro da cidade.

De que forma você consome literatura e música?

Tradicionalmente, sou da geração do livro, porém, há cinco anos, comecei a ser transformado por meus alunos. A docência é um processo de troca. No início, ficava incomodado com a leitura de textos pelo celular e tablet, porque me dava impressão de uma leitura de forma precária. Hoje, internalizei esse hábito e leio junto com eles. Musicalmente, gosto muito de fazer playlists no YouTube por gênero, sempre muito atento às tendências mais contemporâneas.