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Carlos Machado, na época DJ Nazz, foi um dos brasileiros que abriram as portas do País a grupos e artistas até então desconhecidos por aqui
Foto: Divulgação
Se você nasceu entre os anos 70 e 90, é provável que pelo menos uma das suas músicas preferidas da época tenha chegado ao Brasil pelas mãos de Carlos Machado. O DJ, produtor musical e engenheiro de som de 56 anos, construiu grande parte da sonoridade do mercado com as próprias mãos.
Durante cerca de 20 anos, em uma época onde a internet não existia, ele viajou pelo País e pelo mundo atrás dos melhores lançamentos. Foi assim que encontrou e trouxe para o Brasil o primeiro disco da Madonna, trouxe “808 Volt Mix”, disco que deu cara ao funk carioca, “Strange Love”, do Depeche Mode. Carlos – ou DJ Nazz, como também é conhecido – mora em Niterói e conversou sobre partes da sua enorme história, que se funde de forma intrínseca à história da indústria fonográfica nacional.
Conte um pouco sobre o começo da sua história com os discos.
Isso é um processo longo, construído ao longo de décadas. Começou nos anos 70, com a gente ouvindo nas rádios Big Boy tocando as músicas. Ele era um cara que viajava também e recebia discos das gravadoras. Nós não tínhamos acesso àquilo que estava tocando. Nosso primeiro recurso foi a fita cassete. Gravávamos o que estava tocando na rádio para tocar no nosso radinho. Eu tinha um amigo que montou uma equipe de som, ele conhecia um grupo chamado Oxford, que tinha umas caixinhas de alto-falante. A gente pegou duas e fomos tocar em um clube em Jurujuba. Foi assim que me tornei DJ. Quando você põe uma coisa na cabeça, acho que o universo conspira a favor. Minha mãe me dava dinheiro para comprar um disco por mês. Eu ouvi “Tubular Bells”, do Mike Oldfield, e amei aquele tipo de música. Fui procurar saber o que era aquilo e descobri o soul. Comecei a frequentar importadoras, e conhecer muita gente. Nisso, conheci dois comissários de bordo que traziam discos para mim. Traziam tudo errado, mas traziam. Depois eu conheci um cara chamado Jorge Alexander Boleckis, que importava válvulas de transmissão para as rádios, e me introduziu de verdade na importação. Ele tinha um Telex em casa, aí eu via um disco no “Dance Music Report”, uma revista de música e ele, na hora, passava um telex perguntando se as lojas tinham o disco. Ele falava inglês muito bem. Foi quando decidi falar inglês também. Eu era um cara durão, morava nos conjuntos habitacionais do Barreto, ia a pé para meu curso de inglês. Nessa época, comecei a estabelecer um comércio com as lojas, comecei a ficar com crédito nas lojas de disco. Quando cheguei em Nova Iorque, me apresentei como Carlos Machado e já tinha conta lá. Durante quase 20 anos, viajei para lá para comprar discos.
Como foi essa transição de DJ para engenheiro de som?
“Eu estava em Nova Iorque, em uma loja de vinil, e encontrei o Sérgio Mota, que era diretor internacional da gravadora Som Livre, e o Claudinho, que era DJ da boate Papagaio. O Claudinho me apresentou ao Sérgio e falou que eu era o cara que levava todos os discos para o Brasil. Ele não acreditou muito não, mas resolvi um problema para ele e, por gratidão, ele se ofereceu a fazer alguma coisa por mim. Eu disse “você não fez um ‘Festa da Cidade’ com o DJ Memê? Faz um ‘Festa Funk’ comigo (era a produção de um disco chamado ‘Festa Funk’)”. Aí eu entrei em estúdio pela primeira vez com a Som Livre me bancando. Só que uma coisa é você tocar música, outra é entrar no mundo do estúdio. Entrei sem saber nada e avisei a eles, que me disseram para fazer o curso para aprender, que eles pagariam. Além disso, quando os bailes começaram a ficar muito violentos, fui me afastando do trabalho como DJ e fiquei mais em estúdio.
Como você fazia para encontrar esses lançamentos que trazia para cá?
Imagina um supermercado grandão. Eu entrava nas distribuidoras com um carrinho e ia na prateleira pegando pela capa. Eu trouxe para o Brasil Tony Garcia. Fiquei sabendo recentemente que eu estava 25 anos à frente do americano. O Miami Bass era um movimento local, acontecia em Fort Lauderdale, não se espalhou pelos Estados Unidos. Mas, aí, teve um maluco que foi lá, catou e trouxe para um milhão de consumidores no Brasil. Esse maluco era eu. Muitas vezes eu raspava o rótulo do disco para proteger essas descobertas. Eu precisava de cinco mil dólares para levantar voo. Com o tempo veio a concorrência. As pessoas viam que eu estava ganhando dinheiro e começaram a querer fazer também, concorrer comigo. Todas elas perderam. Nenhuma delas viajou mais do que eu, ninguém arranjou mais disco que eu.
Como você achou a Madonna lá fora?
Ué, na loja. Comprei, ouvi, gostei, meti no baile, o baile veio abaixo. Pronto, um abraço.
Você também trazia discos, trazia equipamentos de som. Como fazia para entrar no Brasil com esse material?
Eu tomei tanta multa da alfândega que você não pode imaginar. Os caras já me conheciam. Mas eu já vinha preparado. A lei diz que você pode trazer o que quiser, mas tem que pagar imposto sobre isso. Eu nunca agi de má fé. Uma vez, enchi três bancadas com o que tinha trazido, me multaram até minha terceira geração. Mas eu pagava porque valia a pena. Todo mundo queria. Não tinha internet, não tinha como ter acesso à música.
Você acha que esse feeling que o DJ tem para perceber o que é realmente bom está meio desgastado hoje em dia?
O acesso ao mundo dos DJs, com a tecnologia, ficou mais fácil. Você pode baixar uma música na internet, ouvir o set de um outro DJ. Assim como os caras queriam tocar guitarra na época do rock, hoje eles querem ser DJs.
Qual é o maior problema do mercado fonográfico brasileiro hoje?
Nós vemos aí todo mundo seguindo um padrão. As músicas eletrônicas de hoje, que eu chamo de “tique-taque music”, nada mais são do que isso. Todo mundo está na modinha. O que estragou o mercado se chama jabá. Quando as rádios deixaram de acreditar nas músicas e começaram a pensar somente no dinheiro, acabou o mercado. Alguns caras chegaram ao poder e ficaram na rádio por 20 anos tocando um monte de merda.
O que você considera bom em termos de música, hoje, no Brasil?
A MPB brasileira. Tem muita coisa boa. O disco do Azimuth, que eu ajudei a gravar, é maravilhoso. Na MPB tem muita coisa boa, bonita, acontecendo.
Um oráculo musical
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