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Um recente relatório da OMS sobre o controle do uso de tabaco diz que o tabagismo custa à economia global cerca de US$ 1 trilhão por ano em despesas de saúde e perda de produtividade
Foto: Lucas Benevides
Houve uma época em que fumar era considerado algo descolado. Os comerciais do produto traziam jovens bonitos, na maioria das vezes, fazendo atividades físicas ao ar livre. Nos filmes, a situação não era diferente: fumar era glamoroso e diversos atores e atrizes de Hollywood apareciam com seus cigarros nas telonas. O primeiro episódio da aclamada série norte-americana “Mad Men”, inclusive, mostra o quanto era comum o tabagismo nos anos 60. O publicitário e protagonista, Don Draper, luta para criar uma campanha para uma marca de cigarros. No episódio, é possível perceber a relação de amor dos americanos com o produto; era assim no mundo inteiro. Mas os tempos mudaram. Hoje, sabe-se que o cigarro não é mais o mocinho e, sim, o vilão. De acordo com o Ministério da Saúde, as doenças geradas pelo tabagismo ainda acarretam 200 mil mortes por ano no Brasil.
Um recente relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o controle do uso de tabaco diz que o tabagismo custa à economia global cerca de US$ 1 trilhão por ano em despesas de saúde e perda de produtividade, e que o custo estimado supera em mais de três vezes o que é arrecadado em impostos sobre o fumo. No Brasil, estudos realizados por pesquisadores da Fiocruz estimam que os custos para o sistema de saúde são de aproximadamente R$ 23 bilhões ao ano.
Segundo o Ministério da Saúde, o tabagismo é reconhecido como uma doença crônica, gerada pela dependência da nicotina, estando por isso inserido na Classificação Internacional de Doenças (CID10) da Organização Mundial da Saúde (OMS). É também o mais importante fator de risco isolado para cerca de 50 doenças, muitas delas graves e fatais, como o câncer, cardiovasculares, enfisema e outras. O tabaco, fumado em qualquer uma de suas formas, causa até 90% de todos os cânceres de pulmão e é um fator de risco significativo para acidentes cerebrovasculares e ataques cardíacos mortais. Os produtos de tabaco, que não produzem fumaça, também causam dependência e são responsáveis pelo desenvolvimento de câncer de cabeça, pescoço, esôfago e pâncreas, assim como muitas patologias bucodentais.
Para tentar reduzir o consumo do tabaco no Brasil, o Governo Federal desenvolveu uma série de ações, como a política de preços mínimos, fazendo com que os estabelecimentos comerciais não vendam maços de cigarros a menos de R$ 5. Desde 2000 não é permitida a veiculação de comerciais de produtos derivados do tabaco nos meios de comunicação e a promoção de eventos culturais e esportivos por marcas de cigarro. Além disso, a partir de 2011, há uma lei federal que proíbe o consumo de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos e outros produtos fumígenos, derivados ou não do tabaco, em locais de uso coletivo, públicos ou privados. Os narguilés também foram incluídos na proibição.
Claudia Venerosk, de 51 anos, começou a fumar quando tinha 16. A costureira iniciou a prática porque queria ter autoafirmação. Assim como qualquer adolescente, ela queria provar que já era adulta e madura. Aos 29, após ter sua primeira filha, decidiu parar. “Eu via o incômodo do meu bebê com o cheiro do cigarro. E ela já nasceu muito doentinha, talvez porque eu fumei na gravidez. Durante a gestação, passei a fumar mais de um maço, fui para dois. Um dia, estava com minha filha no colo e passei mal, tive um excesso de tosse, não estava conseguindo respirar e pensei que, se voltasse a respirar, nunca mais colocaria um cigarro na boca. Aí respirei, me acalmei e, como prometido, parei de fumar”, relembra.
Apesar de ter conseguido, não foi fácil. Claudia conta que era uma batalha diária consigo mesma. Ela venceu a guerra e percebeu os benefícios de uma vida sem cigarro: acabaram as dores nas costas, as varizes melhoraram e o cansaço diminuiu. Porém, há cerca de três anos, a costureira decidiu voltar a fumar, por causa de problemas pessoais. Hoje ela luta novamente contra o cigarro. “É muito difícil. Eu brigo comigo todo dia de novo. Você coloca na cabeça que parou de fumar, mas, em frações de segundos, te dá uma ânsia de acender o cigarro. A mente tem que estar muito preparada, porque o corpo quer o tabaco. O cigarro é um vício e uma mania, o seu organismo se acostuma... Se eu levantar de manhã e não tomar café, não coloco um cigarro na boca. Mas é eu acordar e tomar o café que preciso fumar”, afirma, acrescentando que, ao contrário da maioria das pessoas, o cigarro não a acalma. “Sou muito calma sem fumar, mas o cigarro me leva ao extremo de perder a cabeça, e eu sei que é por causa dele, porque fiquei 20 anos sem fumar e conseguia me controlar”, admite.![]()
Claudia dos Santos e sua filha, Maria Eduarda, conseguiram parar de fumar e sentem os benefícios da conquista à saúde
Foto: Lucas Benevides
O pneumologista e professor adjunto de pneumologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Leonardo Pessôa, também Coordenador do Programa de Tratamento de Tabagismo Respirar, afirma que, em 1989, 34% dos brasileiros fumavam e, atualmente, menos de 15% da população é tabagista. Segundo ele, se a redução persistir, como esperado, observaremos a gradual redução nos números das doenças causadas pelo tabaco. “Se a redução no número de tabagistas em nosso País deve ser comemorada, esta não é a realidade em muitos outros países em desenvolvimento. Em alguns destes, o tabagismo vem aumentando, especialmente nas populações mais pobres, com menor escolaridade e entre as mulheres”, explica.
O cigarro tem mais de 4700 substâncias nocivas ao corpo humano. A nicotina é responsável por causar a dependência química, que, em resumo, acontece quando ela chega no cérebro, liberando excessivamente outras substâncias que geram prazer e relaxamento intensos. Após algum tempo, o cérebro se acostuma a somente liberar estas substâncias se o fornecimento de nicotina continuar, caso contrário, pode-se apresentar os sintomas desagradáveis de abstinência. Para o profissional, é a insegurança de sofrer com estes sintomas e também o medo de um insucesso numa tentativa de parar de fumar que fazem o tabagista adiar o dia de parar por prazo indeterminado, o que só faz aumentar os riscos à saúde.
As duas principais causas de morte no mundo – o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral (AVC) – são também comuns em fumantes. A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), conhecida como enfisema, ocupa atualmente a quarta posição como causa de mortes no mundo. Há estudos, inclusive, que demonstram que a sobrevivência do portador de DPOC depois de 10 anos de doença diagnosticada é de aproximadamente 50% entre aqueles que persistem fumando e cerca de 80% entre os que param de fumar. Um problema na DPOC é que os sintomas começam muito discretamente. Na fase inicial, há somente tosse ou pigarros e, às vezes, cansaço aos esforços, que é atribuído à idade ou ao peso, ou ainda ao sedentarismo. “Nesta fase, o raio-X de tórax pode ser ainda normal, o que pode retardar o diagnóstico. Muitas vezes, é necessária a realização de uma espirometria, conhecida vulgarmente como exame do sopro, que permite um diagnóstico mais precoce da doença”, alerta o médico.
Fumante desde os 14 anos, a estudante Maria Alexandra Gonzaga, hoje com 26, parou de fumar pela segunda vez. A primeira aconteceu quando ela engravidou da sua primeira filha, há cerca de três anos. Para ela, nesta época, o processo foi bem tranquilo e natural. Quando ela sentia aquela vontade incontrolável, tinha a sensação de que sua filha chutava fazendo-a esquecer do vício. “Voltei a fumar quando ela tinha entre 3 e 4 meses, porque usava o tabaco como válvula de escape e um mecanismo para me acalmar”, confessa Maria, que está em sua segunda gestação e, por isso, parou de fumar novamente. “Desta vez, está mais difícil, sinto mais vontade de fumar do que na primeira gravidez, mas não coloquei um cigarro no boca desde que descobri. Não pretendo voltar a fumar, mas nunca diga nunca. Vou evitar até onde der”, admite.![]()
André Vaz, de 23 anos, fumante há 5, decidiu tentar parar de fumar depois que percebeu a força de seu vício, há dois anos. Hoje se comprometeu a fumar apenas um cigarro por dia
Foto: Evelen Gouvêa
Durante esse tempo em que parou de fumar, Maria percebeu diversos benefícios em sua saúde, como o aumento de capacidade de exercícios físicos, aumento da imunidade, paladar e olfato. Isso sem falar no tempo que sobra para ficar com sua família e fazer outras atividades, quando, antes, estaria fumando.
Assim como o fumante ativo, o fumante passivo também está exposto a risco de doenças. De acordo com Cyro Teixeira da Silva Junior, também pneumologista e professor associado de Pneumologia da Faculdade de Medicina da UFF e membro das Sociedades Brasileira e Europeia de Pneumologia, os fumantes passivos correm um risco 30% maior de ter câncer de pulmão e 25% maior de doenças cardiovasculares do que os não fumantes, além de piora nos sintomas de asma, rinossinusite, aparecimento de pneumonias e outras doenças desencadeadas por poluição em ambientes fechados. “Segundo a OMS, as crianças que vivem com fumantes em casa apresentam incidência elevada de pneumonia, bronquite aguda, piora de uma quadro de rinossinusite e asma, otite média, síndrome da morte súbita infantil, além de maior chance de desenvolvimento de doença cardiovascular na idade adulta”, revela o profissional, que trata o ato de fumar como um vício e não hábito.
A nicotina é uma droga psicoativa que, ao ser inalada, produz sensação de prazer ao atuar em segundos no cérebro. Esse efeito também ocorre com outras drogas, como a cocaína, heroína e álcool. Portanto, o fumante é um dependente químico que deve ser tratado por médicos especialistas. “Sempre vale a pena parar de fumar, em qualquer idade. Mesmo quando há uma doença tabaco-dependente diagnosticada, é possível reduzir os danos causados por ela”, pondera.
Parar de fumar não é fácil e requer muita força de vontade. O produtor cultural André Vaz, de 23 anos, fumante há 5, decidiu tentar parar de fumar depois que percebeu a força de seu vício, há dois anos. Ele conseguiu ficar sem o cigarro durante o período de um mês e meio, porém, se convenceu de que merecia fumar porque era virada de ano, assim, voltou para a dependência. Desde então, decidiu não comprar mais o maço e se comprometeu a fumar apenas um cigarro de palha por dia. Hoje André não fuma mais cigarro de palha, trocou por um cigarro de tabaco natural feito por ele, mas continua fumando apenas um por dia. Na ausência do natural, o produtor cultural também fuma cigarros industrializados. André faz uma comparação pertinente do vício de fumar à fome e ao sono, na medida em que se torna uma dependência fisiológica por parte do viciado. “Se o cigarro é um relacionamento, então estou em um muito opressor, que me faz muito mal a curto e longo prazo, mas me alivia a tensão e um pouco do estresse, o que parece bom a princípio, mas, depois, você lembra que toda essa tensão e estresse são causadas por ele. Aí dá vontade de fugir, porém, com a fuga, você fica estressado e volta para a opressão que alivia”, analisa.
Existem pessoas que já conseguiram vencer a batalha contra o cigarro. É o caso da dona de casa Claudia dos Santos, de 57 anos, e de sua filha, a mestranda de biologia Maria Eduarda Santos Monteiro, de 25. Apesar de Maria Eduarda afirmar que o fato de sua mãe fumar não a influenciou, Claudia acredita que tenha espelhado sua filha, uma vez que os pais costumam ser reflexos para os seus herdeiros.
A dona de casa começou a fumar aos 16 porque, segundo ela, era moda na época e todos achavam bonito e charmoso andar com um cigarro na mão. Já Eduarda começou por volta dos 17 fumando ocasionalmente cigarros mentolados. Ao entrar na faculdade, aos 19, começou a fumar cigarros comuns, de filtro branco, e percebeu que já não conseguia fumar apenas ocasionalmente, mas, sim, diariamente. Havia se tornado rotina. “Sempre fui muito ansiosa e imaginava que o cigarro poderia me relaxar. Alem disso, tinha muitos amigos que fumavam e achava elegante”, admite a jovem.![]()
O que começou como uma forma de autoafirmação quando tinha 16 anos, Claudia Venerosk, de 51 anos, ainda luta diariamente contra o vício
Foto: Lucas Benevides
Todos os dias, Maria Eduarda sentia que já acordava indisposta. Faltava ar para fazer qualquer atividade física e, nos fins de semana, quando, às vezes, acabava com um maço em uma noite, percebia que o cheiro do tabaco a incomodava e também as pessoas ao seu redor. Ela queria parar e tentou algumas vezes, antes de conseguir de vez. No ano passado, a estudante precisou arrancar os sisos e, por isso, teve que ficar mais de uma semana sem acender um cigarro. Foi aí que decidiu: se podia ficar mais de uma semana sem se entregar ao vício, podia ficar a vida toda. “O cigarro só me prejudicou. Meus dentes ficaram mais amarelados e, por mais estranho que isso possa parecer, engordei durante o tempo em que fumei, imagino que isso tenha acontecido porque não tinha nenhuma disposição para fazer exercícios”, deduz.
Sua mãe, por outro lado, decidiu dar um basta no vício por saúde. Claudia sentiu que o cigarro estava prejudicando a prática de exercícios e, por isso, decidiu parar de fumar há dois anos. O processo foi complicado. Foram várias as tentativas. Um dia, ligou para o número atrás do maço de cigarro para pedir ajuda. A atendente foi muito compreensiva e lhe disse para continuar tentando e não se sentir culpada, até que, uma hora, finalmente, a dona de casa conseguiu parar de fumar. “Atualmente, o cheiro de cigarro me dá nojo. Hoje me sinto mais bonita, mais limpa e feliz por ter largado esse vício. Os malefícios são muitos: falta de ar, indisposição, o cheiro no cabelo e no corpo, entre outros”, enumera.
A nutróloga Amanda Abraçado de Almeida explica que a água é fundamental para os fumantes. A nicotina é eliminada através da urina, por isso, quanto mais água se ingerir, melhor será o processo de desintoxicação. Os chás de camomila, erva-doce, hortelã, cidreira e gengibre são ótimas opções para favorecer a hidratação. A maçã, por ser rica em ácido málico, favorece o funcionamento hepático, promovendo uma limpeza do órgão. O gengibre também tem alto poder desintoxicante. “O fumante tem uma maior necessidade de vitamina C, que cumpre papel importante na melhora do sistema imunológico. Os alimentos fontes de triptofano (como nozes, castanhas e leguminosas) ajudam na produção da serotonina, que melhora o humor e diminui a ansiedade”, cita.
A nicotina promove aumento da produção de ácido clorídrico no estômago, redução da produção de enzimas pancreáticas, comprometimento das funções do fígado e aumento da velocidade do trânsito gastrointestinal, interferindo na absorção das vitaminas e minerais. Além disso, as substâncias tóxicas presentes no cigarro estimulam a produção de radicais livres. “Exemplos de antioxidantes: cenoura, tomate, pêssego, abóbora, brócolis, ervilha, couve-flor, couve, vegetais folhosos, uva, maçã, frutas vermelhas, linhaça, oleaginosas, entre outros”, aconselha Amanda.
Um vício caro
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