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Theo, de 4 anos, nunca teve o hábito de comer chocolate. Na Páscoa, o doce é substituido por balinhas
Foto: André Redlich
Ao leite, meio amargo, branco, com muito cacau, em pó. As possibilidades de consumo dele são praticamente infinitas. Um dos queridinhos dos paladares ao redor do mundo, o chocolate, parece ser unanimidade mundial. Estudos apontam, por exemplo, que a delícia pode ser mais popular que o sexo. Em pesquisa da multinacional Unilever, 84% das participantes colocaram o chocolate como seu maior prazer, à frente do sexo. Mas é na Páscoa, quando o doce aparece como um dos protagonistas, que é possível perceber: ele não é o queridinho de todo o mundo.
Renata Cerolini, de 29 anos, é, como ela mesmo diz, “aquela parcela de 1% da população” que não gosta de chocolate. Nascida e criada no sul do País, ela conta que quem não a conhece sempre acha que está brincando ou de frescura, e que precisa convencer a pessoa de que realmente não gosta nem do sabor e nem do cheiro do chocolate.
“Quando eu acreditava em coelhinho, minha cesta era sempre repleta de doces diferentes, como balas, chicletes, pé de moleque, amendoim com açúcar, entre outros, mas sempre fugindo do chocolate. Assim que parei de acreditar, minha mãe passou a brincar que foi uma libertação, pois ela começou a me dar roupas e brinquedos ao invés das cestas produzidas. Eu, particularmente, adorava, já que a Páscoa acabou se tornando um ‘mini’ Natal, em que eu escolhia os presentes que queria ganhar”, lembra.
A insistência de pessoas que não entendem que ela realmente não gosta de chocolate incomoda, mas não chega a irritar.
“Já passei por situações bem chatas, como pessoas mentindo para mim, falando que o doce não tinha chocolate mas, na verdade, o recheio era chocolate puro. Ou então quando perguntam: mas nem chocolate branco? Se eu falo chocolate, é porque é todo tipo, isso sim me irrita. Já ouvi também a seguinte frase: você fala isso porque nunca provou! É claro que já provei, e, por isso mesmo, sei que não gosto”, esclarece Renata, que conta que os amigos são muito tranquilos, e que, mesmo quando ela vai jantar na casa de alguém, por exemplo, a pessoa faz uma sobremesa que não tenha chocolate. Ruim mesmo é quando ela viaja para locais muito afastados, sem comércio por perto, e, de repente, bate uma vontade muito grande de comer um doce.
“Durante muito tempo o doce de leite era o meu substituto direto. Há três anos descobri que sou intolerante à lactose e isso complicou ainda mais a minha vida. Atualmente eu como pouquíssimo doce. Com a intolerância, acabo indo para as frutas cristalizadas e doces em calda”, conta.
Aos 18 anos, Leila Adomaitis adotou, há 7 meses, o veganismo, depois de passar 6 meses como vegetariana. Por ter aderido a um movimento que condena o consumo de produtos de origem animal, como o leite, ela cortou o chocolate da dieta. Leila diz que é tranquila com a sua decisão e só se irrita quando há falta de respeito em relação à opção pelo veganismo e insistência em tentar fazê-la mudar de ideia. Ela conta, ainda, que é difícil encontrar chocolates sem leite e sem produtos que sejam testados em animais.
“A indústria alimentícia gira em torno da exploração animal. Mas a procura por alimentos veganos vem crescendo e, consequentemente, o mercado também. Conheço alguns restaurantes que fazem doces veganos muito bons. Inclusive um bolo de chocolate com cereja, sem leite, sem ovos e melhor do que qualquer outro que eu já comi. Existem muitas receitas na internet também. Para quem não gosta muito de cozinhar, tem doces prontos como paçoca, doce de amendoim, os industriais de soja (leite condensado de soja para fazer brigadeiro) e doces feitos com frutas, que são mais baratos, mais saudáveis e mais fáceis de fazer do que os industriais”, indica.
Leila relata, ainda, que não se sente excluída em momentos de socialização, como amigos ocultos de chocolate ou até jantares com carne, porque é comum que as pessoas questionem seus motivos e perguntem de suas experiências, mas há uma sensação de “solidão” por ter uma visão diferente da dos outros. Em relação aos doces baseados em insumos animais, ela diz não sentir falta.
“Com tantos alimentos e possíveis receitas veganas (algumas até mais gostosas que muito chocolate ao leite), não há um porquê de passar vontade de comer doces”, acredita.
A nutricionista Fernanda Marques indica que alguns alimentos podem substituir o chocolate tradicional, com base no leite, para quem não quer, ou não pode, comer o doce. São opções a alfarroba – uma “vagem” retirada da alfarrobeira, árvore nativa da costa do Mediterrâneo –, muito utilizada para substituir o cacau, com menos açúcar, menos gordura e, consequentemente, menos caloria; e os doces com cacau em pó (100%), sem açúcar, sem lactose, também vegano, e que, além de antioxidantes, possuem ação antidepressiva, anti-inflamatória e no controle da pressão arterial. Ainda pouco populares, os nibs de cacau, produzidos a partir de amêndoas gourmet selecionadas, também prometem dar um gostinho diferente para a Páscoa.
“Os nibs de cacau possuem alto valor nutricional provenientes das amêndoas e podem ser consumidos com frutas, iogurtes ou como preferir. Além de adicionar saúde no seu prato eles ainda darão um sabor muito especial e aquele gostinho de chocolate”, aconselha a especialista, que indica ainda o chocolate feito com soja. Apesar de transgênica e não tão recomendada na forma não fermentada, pode ser uma opção para ser consumida apenas nesta época do ano. Além de não ter derivado do leite (lactose, caseína, entre outros), possui baixo teor de gordura. Vai ser essa a opção do ator mirim Kaik Brum, de 11 anos, nessa Páscoa. Ainda bebê, a família descobriu que o menino era alérgico à proteína do leite de vaca em grau grave, e começou a entender as restrições de alimentação que a alergia impõe. Desde então toda a família reformulou sua alimentação.
“A questão do alimento na nossa sociedade é cultural, principalmente pelo leite de vaca estar inserido em quase todas as receitas culinárias. Como tive que fazer a restrição à proteína do leite de vaca, aprendi que a substituição era possível e poderíamos alterar receitas sem comprometer o sabor”, defende Karine Brum, de 41 anos, mãe de Kaik.![]()
Kaik Brum descobriu ser intolerante à proteína do leite de vaca. Por isso, recorre ao chocolate sem lactose
Foto: André Redlich
O menino, aliás, garante que nunca se sentiu excluído em momentos de socialização como Páscoa ou amigos ocultos de chocolate. A mãe faz questão de pontuar que a alergia não é um problema e sim algo que requer atenção e cuidados a partir da informação. Desde pequeno Kaik foi educado para o seu autocuidado, e, desde cedo, já sabia informar o que podia e o que não podia comer. Recentemente descobriram um chocolate sem proteínas do leite de vaca e com base na soja e no cacau.
“De um tempo para cá, compramos pela internet e em algumas lojas especializadas os ovos de Páscoa à base de soja, porque ainda não é amplamente comercializado em todos os supermercados. Os demais alimentos, bolos e doces continuamos a fazer como fazíamos, sem deixar de perder o sentido da Páscoa, da união em família e da ressurreição de Cristo”, frisa a mãe.
Priscila Correia, de 42 anos, e o filho Theo, de 4, também não comem o chocolate tradicional. É que os dois têm intolerância à lactose e passam mal quando consomem produtos que contenham um tipo de açúcar encontrado no leite e em outros produtos lácteos. Ela só descobriu o problema quando já era adulta, depois de muitas Páscoas regadas a chocolate.
“Eu não tenho a lactase, enzima que quebra a proteína do leite. Então, se eu tomar um pílula que tenha a lactase e comer chocolate, vou ficar bem, porque ela me ajudaria a quebrar. Só não uso porque não quero ficar ingerindo remédio assim, então como chocolates de soja, coisas do tipo”, explica.
Por ter sido habituada a comer chocolate desde cedo, ela até gosta do doce. Com Théo, que descobriu a intolerância quando ainda era bem novo, a história é diferente. Priscila conta que além de não poder comer, ele não gosta de doces que levam leite de uma forma geral.
“O Théo nunca teve o hábito de comer leite condensado, chocolate. E ele mesmo não tem paladar para isso. Nós fomos para a Bélgica quando ele tinha dois anos e meio e, como é um lugar de tradição no chocolate, eu dei um pouco para ele provar. Ele cuspiu, disse que era horrível”, lembra.
Em compensação, o menino é um fã de frutas. A preferida é a laranja. Na Páscoa, para preservar a simbologia do ovo, Priscila coloca dentro de um ovo de lata algumas balas de gelatina junto com alguns bonequinhos. Recentemente ela descobriu um ovo sem lactose e feito para comer de colher, desenvolvida por uma marca que cria doces sem lactose e sem glúten em Niterói. Esse tipo de alternativa é uma saída para quem quer comer chocolate, mas não pode. Já é possível encontrar, por exemplo, brownies feitos à base de alfarroba, tapioca, cacau e nozes.
As colegas de trabalho Luciana Vasconcelos, de 21 anos, Bruna Guimarães, de 25, e Mayara Corrêa, de 26, também vão passar essa Páscoa sem comer chocolate. É que o trio, junto com mais 5 amigas, entrou de cabeça no #projeto60DiasSem, um desafio em que elas se comprometem a ficar 60 dias sem comer algo que gostam e exageram. Como trabalham juntas, elas conseguem monitorar e incentivar umas às outras. Quem cai em tentação passa por uma punição: o Jarro da Vergonha. Quem escorregar uma vez coloca R$ 5 no jarro, duas vezes coloca R$ 10 e assim por diante.
“Quando fechamos o desafio não lembramos da Páscoa e dos ovos de chocolate. Quando a ficha caiu, o pensamento foi o mesmo: ‘não comeremos chocolate até a Páscoa’. Foi desesperador, mas estamos nos preparando para passar pelo feriado sem prejuízos, guardando os ovos de Páscoa para abrir no final do desafio. Ninguém está querendo colocar dinheiro no jarro de vergonha!”, diverte-se Luciana.
Além de cumprir uma promessa até o fim, o projeto – que foi parar nas redes sociais – busca incentivar melhores hábitos saudáveis e econômicos, impulsionando ainda o foco e a força de vontade pessoal.
“Os objetivos são variados, nós ficamos sem doces, mas tem gente sem fast-food e sem carboidratos à noite, sem pão e sem refrigerante, sem café expresso, sem preguiça (precisa fazer 30 min todos os dias de algum exercício ou curso) e tem até sem poder comprar!”, revela Bruna.
Como consequência, o trio quer perder peso e tentar criar consciência de que não se deve descontar frustrações nos doces e afins. Os doces estão ficando mesmo de lado na dieta diária do trio.
“Não substituímos por outro alimento. Estamos driblando a vontade de chocolate e afins, abusando das frutas e dos seus sucos naturais. Salada de frutas nunca havia sido tão bem-vinda em nossas vidas”, finaliza Mayara.
Uma Páscoa sem chocolate
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