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Neurodiversidade: celebrar cérebros diversos é abraçar potencialidades

Por Por Angélica Cunha

Neurodiversidade é um conceito lançado pela socióloga Judy Singer em 1998, para descrever as variações naturais no funcionamento cerebral - como autismo, TDAH, dislexia, entre outros - não como “erros”, mas como formas legítimas de cognição. Hoje, estima-se que entre 15% e 20% da população mundial seja neurodivergente. Desses, cerca de 1% a 3% são pessoas no espectro autista, 5% a 7% têm TDAH, e dislexia atinge cerca de 5% a 10%.
Esses corpos e cérebros diversamente calibrados geralmente exibem desafios: dificuldade de atenção, sobrecarga sensorial, ansiedade - e também traços marcantes de criatividade, hiperfoco, senso de padrões, empatia ou precisão diagnóstica. Ainda assim, muitos sofrem com desemprego (até 2× mais frequência que neurotípicos) e menos de 60% dos adultos autistas trabalham em ocupações estáveis.
E onde entra a Síndrome de Down?
Sim, a Síndrome de Down, apesar de ser uma condição genética (trissomia do cromossomo 21), também está inserida no guarda-chuva da neurodiversidade - por implicar formas únicas de processamento cognitivo, emocional e sensorial.
Segundo a Cross River Therapy uma clínica norte-americana especializada em terapia comportamental, com foco principalmente em crianças neurodivergentes, como aquelas com autismo e outras condições do desenvolvimento, globalmente, essa síndrome ocorre em cerca de 1 a cada 700 nascimentos – variando entre 1/1?000 e 1/1?100. No Brasil e em Portugal, o índice é aproximado a 1/660. Graças aos avanços médicos, a expectativa de vida, que era de 10 a 15 anos em meados do século XX, hoje frequentemente ultrapassa os 60, chegando, por vezes, aos 70 anos.
Gabriele Terra: fluidez e potência no corpo diverso
E é aí que nossa protagonista, Gabriele Terra, entra com todo o seu brilho. Nascida em 25 de julho de 2002, em Niterói (RJ), com Síndrome de Down e uma cardiopatia grave, enfrentou uma cirurgia delicada aos seis meses - com apenas 20% de chance de vida - e venceu. Hoje, aos 22 anos, é estudante, dançarina, atriz, nadadora de competição, medalhista e porta-bandeira estadual - integrando o Projeto Paralímpico da Marinha com foco no pódio internacional.
Gabi é a síntese da neurodiversidade em ação: ela traz consigo os desafios - o coração que precisou de cuidado, a inteligência que se revela de forma única - mas também a energia, a resiliência, a curiosidade e a potencialidade que bebem do mesmo refrigério da neurodiversidade. Suas medalhas não são exceções, mas evidências do que acontece quando damos recursos, suporte e acreditamos no talento diverso.
Fora das piscinas ela também vive o amor com intensidade. Namora há 2 anos, Luís Vitor de Farias Souza, de 24 anos, que, assim como ela, tem Síndrome de Down. Os dois são inseparáveis nos passeios, gostam de curtir a vida juntos e compartilham uma relação marcada por carinho, companheirismo e planos para o futuro. Apaixonada, Gabi mostra que autonomia afetiva também faz parte da sua jornada de felicidade e realização.

Por que começar por aqui?
Esta coluna se propõe a mostrar que celebrar cérebros diversos é, sobretudo, colocar o olhar no potencial o que faz tanto sentido quando vemos, em Gabi, uma trajetória que vai além de estatísticas ou expectativas: ela as transpõe.
A partir da força da neurodiversidade reconhecida por pesquisadores, com dados e conceitos sólidos, ela nos ensina - com sua história - que viver diferente não é apenas sobreviver: é ser potência. Sua jornada torna-se abertura perfeita para a reflexão que queremos inspirar hoje.

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